SÃO PAULO - BRASIL

“O Senhor fez em mim maravilhas.” (Lc 1,49)

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"O Senhor fez em mim maravilhas." (Lc 1,49)

A propedêutica formação da vocação ao sacerdócio II

No mês passado falamos sobre ‘como nasce uma vocação ao sacerdócio’, desta vez falaremos sobre a formação da vocação nascida. O que é um seminário? O que é um propedeuta? Talvez algumas coisas corriqueiras que passam despercebidas aos nossos olhos. O convívio com o seminarista nem nos faz perguntar sobre todo o processo pelo qual ele passa. Mas agora vamos nos familiarizar com estas coisas…

O seminário é um lugar onde os seminaristas se preparam através de uma formação rigorosa acerca da vocação a qual reconhecem que Deus os chama e que cabe à Igreja ajudá-los a discernir. Mas, nem sempre foi assim… Antes, o candidato se apresentava, logo recebia o acesso às ordens sacras e passava a ajudar o bispo local. Com o Concílio de Trento e a aplicação, por parte de São Carlos Borromeu, da necessidade de uma formação mais robusta, criam-se os seminários. Reconhecemos também a grandiosíssima contribuição do Concílio Vaticano II nas exigências para a formação do padre.

No seminário propedêutico os candidatos recebem uma formação introdutória para as realidades que nortearão a vida deles. Neste período de um ano o candidato é colocado diante do encontro pessoal com Cristo. Não é possível que se doe a vida à Igreja e aos irmãos sem que o encontro com Cristo se faça presente. Se, como disse o papa Bento em Aparecida: “não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (DAp 12), muito mais a um futuro sacerdote. A decisão deve estar atrelada ao encontro com Aquele que nos chama: E disse Jesus: “Sigam-me, e eu os farei pescadores de homens” (Mt 4,19).

São João Paulo II muito contribuiu para esquematizar também a formação abrangendo todos os aspectos necessários. Na Exortação Apostólica Pastores Dabo Vobis lança mão de uma formação que envolva a dimensão humana, espiritual, intelectual e pastoral. Por que todos estes aspectos? Podemos usar como resposta a própria exortação: “Certamente, há uma fisionomia essencial do sacerdote que não muda: o padre de amanhã, não menos que o de hoje, deverá assemelhar-se a Cristo. Quando vivia sobre a terra, Jesus ofereceu, em Si mesmo, o rosto definitivo do presbítero, realizando um sacerdócio ministerial do qual os apóstolos foram os primeiros a serem investidos; aquele é destinado a perdurar, a reproduzir-se incessantemente em todos os períodos da história. O presbítero do terceiro milênio será, neste sentido, o continuador dos padres que, nos precedentes milênios, animaram a vida da Igreja.” São necessários os aspectos todos da formação para que se assemelhe a Cristo!

Na formação humana, o candidato é acompanhado por psicólogos que o ajudam no amadurecimento da personalidade até que se torne imagem de Cristo, o Bom Pastor, que dá a vida por suas ovelhas. Na dimensão espiritual, acompanhado por um diretor espiritual, o candidato é introduzido na comunhão com a Trindade Santa, deixando-se sempre guiar pela ação do Espírito Santo. Modelar sua vontade à de Deus. Na dimensão intelectual, o candidato é exigido a dar respostas adequadas e fiéis ao Evangelho. Na dimensão pastoral, o candidato é formado a compreender-se na dinâmica de Cristo, Mestre e Pastor que veio para servir e não ser servido.

Sabendo das exigências iniciais da formação dos futuros padres, assumamos o compromisso de rezar por eles e ajudar com nossas valiosas contribuições para mantermos os nossos seminaristas na formação necessária. E que a Mãe das Vocações interceda pela Igreja de Cristo para que tenhamos santos sacerdotes.

Padre Cristiano Sousa – Representante dos Presbíteros

PÁSCOA: COMPROMISSO E MISSÃO

Após dois anos sem poder celebrar presencialmente o Tríduo Pascal, este ano o fizemos com grande alegria em nossas comunidades. Assim como o povo de Deus no Antigo Testamento, cada experiência pascal traz consigo compromisso e missão. Acabamos de vivenciar a nossa XI Assembleia Diocesana de Pastoral e foram escolhidas prioridades pastorais para cada um dos pilares que sustentam a vida da comunidade eclesial missionária. No entanto, precisamos de nossas comunidades “reconstruídas” para colocarmos em prática as decisões da Assembleia. Temos que nos lembrar ainda, que em 2020 tínhamos realizado a Assembleia Diocesana da Pastoral Juvenil e, em virtude da pandemia, não pudemos levar adiante as prioridades escolhidas.

Pode não parecer, mas estes anos de pandemia e restrições afetaram nossa caminhada. Espero que não tenham afetado nosso compromisso de fé. Que a força renovadora da Páscoa nos impulsione na restauração de tantas coisas que estão paradas.

Toda a Escritura é perpassada por uma palavra: Páscoa. Que toda nossa vida cristã seja perpassada por esta Páscoa, mesmo que tenhamos de enfrentar e afrontar tantas situações de morte!

A celebração pascal, desde o Antigo Testamento, traz consigo um tempo de renovação para o povo escolhido. Fazer Páscoa traz consigo um compromisso e uma missão. O povo de Israel ao ser libertado do Egito, celebra a Páscoa na noite da libertação e se compromete a ser um povo totalmente do Senhor Libertador e testemunhar sua fidelidade perante todas as nações. Este compromisso e esta missão, possíveis com a libertação da escravidão, será um aprendizado ao longo da caminhada do deserto rumo à terra prometida. Antes de entrarem na terra realizam uma celebração de aliança em Siquém (Js 24) e ao entrarem na terra celebram a Páscoa tendo presente a missão de testemunhar  fidelidade ao Deus que é Único. É com este espirito, apesar de todos os pecados, é que o povo escolhido vai se deixando conduzir pelo Deus da história.

 

Outro momento que tem um “sabor de Páscoa” no Antigo Testamento é o  tempo do Exílio da Babilônia. Um grande sentimento de morte e abandono invade o povo de Deus com a tomada de Jerusalém e a destruição do templo. Chega-se até mesmo a acreditar que Deus tenha abandonado o seu povo e que não é maior “que os outros desuses”. Os profetas do pós exílio (alguns destes escritos foram proclamados na Vigília Pascal), anunciam ao povo o retorno a Jerusalém como um novo êxodo, uma nova Páscoa libertadora. O povo tem o compromisso de reconstruir Jerusalém, viver a fidelidade ao Deus Senhor de todas as nações, e  com isso, juntamente a missão, de proclamar a unicidade de Deus perante todas as nações. O povo precisa tomar consciência maior da sua identidade como povo eleito.

Não é possível viver a experiência e da experiência da Páscoa de forma ambígua, ou seja, não ser explícito no culto e na vivência da Aliança com o Senhor. Não é possível fazer alianças idolátricas com os outros povos.

Com a celebração da Páscoa de 2022 estamos retomando o nosso caminhar eclesial. Temos uma caminhada no deserto: deixar-se conduzir pelo Senhor da história. Temos uma Jerusalém para reconstruir: encontros nas comunidades, formações, retorno dos grupos de reflexão, leitura orante, catequese de inspiração catecumenal…Sem dúvida não acabou a pandemia. Temos que continuar tendo os cuidados necessários.  Não se trata de voltar ao normal de 2019. Deus fez história e estamos num outro momento novo. Assim como os profetas do pós exílio temos que animar irmãos e irmãs a retornarem a Jerusalém. Assim como Israel que retorna  a Jerusalém, nossa identidade cristã tem que estar renovada, com novas perspectivas de vida e missão.

 

Dom Edmilson Amador Caetano, O.Cist. – Bispo diocesano

“Nascido de uma mulher” (Gl 4,4)

Amados, dedicamos o mês de maio à Maria, a Mãe de Jesus. “Nascido de uma mulher e sujeito a lei” (Gl 4,4), em que Jesus se fez semelhante a nós, exceto no pecado (conf. Hb 4,15). Redemos graças ao Senhor que escolheu Maria, a cheia da graça (conf. Lc 1,28), e que quis contar com o sim de Maria para realizar a nossa salvação.

Assim, Ela é a medianeira de todas as graças e por isso recorremos a sua intercessão maternal junto ao Nosso Senhor Jesus Cristo na liturgia e nas piedades populares. E neste mês, teremos em nossa Diocese a realização de várias atividades dedicadas a Nossa Senhora nas paróquias.

Também em enfoque pastoral, quero aqui registrar a alegria do povo de Deus no ultimo mês, por celebrar a Semana Santa, retomando a celebrações com a presença do povo e fazendo procissões. Além disso, retomamos as atividades pastorais com a presença do povo neste inicio de ano. Graças redemos ao Senhor que sustentou o seu povo através das orações e liturgias online, mas também pelo Santo Rosário rezado nas famílias e que neste mês de maio retoma o santo terço em pequenos grupos de nossas paróquias.

Em maio destaco pastoralmente a festa de Nossa Senhora das Vocações, em que serão instituídos no ministério de leitor 9 seminaristas e também se abrirá os festejos do jubileu de 25 anos do seminário diocesano do Lavras.

Reforço também acerca da importância de responder individual ou em grupos o questionário do Sínodo dos Bispos de 2023. Eles são encontrados no Site de nossa diocese. Além do questionário voltado para os membros da Igreja, temos ainda o questionário para a sociedade. Peço que todos se empenhem para responder e levar para as pessoas que não são da Igreja a responder também.

Roguemos a Santa Mãe de Deus pelos diversos trabalhos pastorais realizados em nossa Diocese e também por todos sacerdotes em sua missão na Igreja e no mundo.

 

Pe. Marcelo Dias SoaresCoordenador Diocesano de Pastoral 

A Páscoa é nossa vocação

Queridos irmãos e irmãs, como diz o apóstolo Paulo, “Aquele que vos chamou é fiel” (1Tm 5,24), e aqui estamos, em mais uma Páscoa, onde o Cristo venceu a morte para que possamos viver por Ele e para Ele e, assim, podermos viver a vocação do coração de Deus.

A Páscoa que hoje vivemos é a nossa vocação, no sentido do novo Êxodo, onde vamos ao encontro da Terra Prometida, que é a graça, saindo da vida velha. Neste sentido, é preciso compreender que somos seguidores do Crucificado, Aquele que tomou a sua cruz, e foi até o fim, com a certeza que da ressurreição ao terceiro dia.

A nossa vocação, seja ela qual for – familiar, religiosa, consagrada ou sacerdotal – exige que que tomemos o exemplo de Cristo, na exigência que carreguemos nossas cruzes. A resposta que damos ao chamado de Deus está neste caminho no qual fazemos todos os dias em busca da santidade do nosso sim a Ele. Por mais radical que seja a nossa opção vocacional e por mais profunda que seja a entrega incondicional do vocacionado à causa do Reino, ainda assim, ninguém está isento da cruz. Sabemos que nossas fragilidades muitas vezes falam mais alto e que acabamos caindo, porém é na certeza desse chamado que levantamos e seguimos em frente.

Na verdade, todas as nossas dores e sofrimentos faz com que nos aproximemos cada vez mais no Cristo e nos permite nos aprofundarmos na intimidade com Ele. E uma vez que não temos essa intimidade, não teremos força em nossa vocação, deixando de lado a radicalidade evangélica e não conseguindo doar por inteiro ao serviço do Reino e nem ao próximo.

Cada vocação, é uma experiência pascal. Nela vivemos dores e sofrimentos, mas sabemos que que temos a graça da vitória do Cristo Redentor. Páscoa é a vida nova para todos, independente da vocação que abraçamos. Nesta Páscoa, que hoje podemos retornar a celebrar em nossas comunidades, que é a mística de Cruz e Ressurreição, possamos dar o nosso verdadeiro testemunho ao mundo, precisamos ser “luz do mundo e sal da terra” (Mt 5,13-14).

Nossa vocação como cristãos nos tempos atuais – onde ainda vivemos um período pandêmico da história – é um compromisso de ser, de testemunhar e de anunciar a Boa Notícia do Cristo, para que assim seja feita total realização do Reino em nossas vidas. Precisamos ajudar a reascender as vocações que foram se apagando com o tempo; precisamos mostrar que o Filho de Deus está vivo e nos chama; precisamos ser esse sinal vivo para as pessoas retornem com mais fervor para as suas comunidades.

Não sabemos quanto tempo nós temos aqui nesta terra, mas sabemos que temos o agora, que temos esta Páscoa. Que neste período possamos realmente aprofundar o nosso chamado – seja em um momento de escuta; num momento de partilha ou até mesmo no momento de serviço. Que esta Páscoa nos renove e nos dê um novo ânimo na vivência da vocação a qual fomos chamados desde o ventre materno (Jr 1,5).

 

Igor Henrique – 2° ano de Filosofia

POR UMA CONVERSÃO EFETIVA E GLOBALIZADA

Aproximando-se a páscoa, chega o tempo de nos encontrarmos profundamente com o amor de Jesus que nos liberta das amarras do pecado. Nesta experiência que nos renova, devemos encontrar as disposições para praticar as boas obras que implementam o Reino!

Nas lições do Apóstolo Paulo, compreendemos que somos salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de nós, é dom de Deus (Ef. 2, 8-9). Todavia, a partir do encontro com Jesus Cristo, que perdoa os pecados, como viver como cristãos? É o mesmo Apóstolo que, prosseguindo, nos responde que “fomos feitos por ele, criados em Cristo Jesus para as boas obras, previamente preparadas por Deus para que andássemos nela (Ef. 2,10). É desejo do próprio Jesus que a luz dos cristãos resplandeça a partir de boas obras para que o Pai seja glorificado (Mt. 5,16).

Que imensa tristeza causa a nós cristãos, sabermos que há lugares do mundo nos quais se implementam obras de destruição, a exemplo da atual guerra entre a Rússia e a Ucrânia. É nossa missão, sem nenhuma dúvida, orar incessantemente pelo fim do conflito, que até o fechamento desta edição, já tinha vitimado cerca de mil pessoas.

Todavia, não devemos nos esquecer que há inúmeros outros conflitos ao redor do mundo que, provavelmente, por não interferirem em interesses comerciais de importantes nações, recebem menos atenção dos principais atores mundiais, ajuda internacional e até oração. Exemplo disso é o conflito do Iêmen, que já dura cerca de 11 anos e contabiliza cerca de 233 mil mortos e 2,3 milhões de crianças em desnutrição aguda. Ou, ainda, o conflito na Etiópia, que, em 16 meses, já deixou cerca de 900 mil pessoas em situação de fome, com relatos de assassinatos de civis e estupros em massa.

Pode ser que valha a pena refletir até que ponto a captação de nossas atenções e solidariedade à guerra que ocorre na Europa – que é inquestionavelmente cruel, repito – pode nos causar uma espécie de paralisia que nos rouba, de forma imperceptível, a consciência da importância de praticarmos as boas ações que nos são possíveis, sobretudo em âmbito local e familiar.

Nesse contexto, não custa lembrar que no Brasil, de acordo com dados do Datasus, registra-se uma média de 6 mil mortes por ano por complicações decorrentes de desnutrição. Muitas dessas vítimas, por certo, moram em nossa cidade, às quais somos chamados a socorrer, com nossos recursos financeiros, orações, e também com um voto consciente em candidatos comprometidos com o bem comum.

Ainda, é preciso lembrar que mesmo em nossas famílias, muitos de nossos filhos passam fome, senão de alimento, de atenção e direção, que se saciaria com a presença amorosa dos pais, que por vezes estão por demais ocupados com outras atribuições – por vezes até dentro da própria Igreja – e acabam por abdicar de sua missão de primeiros e principais educadores de seus filhos.

Por isso, ao me referir a uma conversão globalizada, quero indicar a necessidade de uma mudança de vida integral – nesse sentido, global, que nos faça sensíveis e atuantes com relação aos problemas mundiais, mas também que nos faça cumprir a missão a nós concretamente reservada, em nosso dia-a-dia.

Digo isso não para pregar um ativismo exclusivamente materialista, que por certo, não é característico da vida cristã. Mas para convidar a todos, a começar por mim, a que, nessa Páscoa, a partir da experiência da ressurreição de Cristo, nos desapeguemos de nós mesmos para nos darmos mais aos outros, em uma autêntica experiência cristã de amor e serviço desinteressado, do qual o maior exemplo é Nosso Senhor Jesus, e com Ele, tantos santos que de igual modo, nos indicam o caminho a seguir.

 

Marcos Antônio Favaro – Procurador Jurídico, pós-graduando em Teologia, mestre em Direito pela PUC-SP

DA SOMBRA À LUZ

O que podemos fazer para construir a paz?

Estamos celebrando a Páscoa, uma época de alegria e renovação. Mas é difícil envolver-se num clima festivo em meio a morte e devastação provocada pela guerra entre Rússia e Ucrânia. É triste ver a imagem de idosos, mulheres e crianças batendo em retirada de suas casas, deixando para trás um rastro de destruição. Como entender que em pleno século 21 com tanto avanço da ciência, a guerra ainda seja uma realidade? Enfim como explicar a guerra às crianças se nem nós adultos conseguimos entender o que está acontecendo?

O Iluminismo, movimento que ocorreu entre os séculos XVII e XVIII, inaugurava uma época em que a razão deveria prevalecer e nortear o progresso da humanidade. Não haveria mais lugar para expansionismo, colonialismo, escravidão nem subjugação de um povo pelo outro. Dentro dessa ótica, num mundo governado pela razão não haveria mais espaço para guerras, nem atrocidades. Mas, apesar das conquistas impulsionadas pelo Iluminismo como a Revolução francesa, Revolução industrial, ainda vivemos uma época de barbárie onde seres humanos matam outros seres humanos, por quê?

De acordo com Carl Gustav Jung, anterior ao inconsciente pessoal existe o inconsciente coletivo. Ali estão depositados os substratos das experiências do homem desde os tempos mais remotos. No inconsciente coletivo reside a Sombra que representa o oposto do Ego consciente. A Sombra tanto no Inconsciente pessoal como no Coletivo é aquela parte animalesca representada pelos desejos imorais, atitudes violentas e atrozes. A Sombra, quando não elaborada, traz do inconsciente o aspecto primitivo; ela fez todas as guerras e está fazendo esta e vai fazer a próxima, isto, evidentemente, se houver a próxima.

A humanidade é composta por seres humanos e enquanto não houver paz e segurança em nível micro, não haverá no macro. Não pode haver poucos com muito e muitos com pouco. A guerra é feita pela ambição de uns e a fragilidade de outros. Enfim a paz só será construída a partir do micro, ela começa em cada ser humano, se estende para as famílias, cidades, constrói um povo e faz governantes. Por mais utópico que pareça, a paz mundial tem que começar em cada um de nós; chega de guerra. Carl Gustav Jung disse: “Nós precisamos entender melhor a natureza humana, porque o único perigo real que realmente existe, é o próprio homem”.

 

Romildo R. Almeida – Psicólogo clínico

JOSÉ DO EGITO: A FÉ POSTA À PROVA

Na história de José, o preferido de Jacó no Gênesis, percebemos uma ação discreta de Deus no desenrolar dos fatos da vida de José e de seus irmãos.

A preferência do pai em relação a José o coloca numa situação conflituosa com seus irmãos (37, 2b – 11). Os sonhos que José tem aumenta a tensão entre seus irmãos e ele. Por fim, vendido como escravo pelos irmãos (37, 12 – 36), José vai parar no Egito (39, 1 – 6), onde enfrentará uma cilada por parte da esposa de Putifar, seu senhor (39, 7 – 20), que o leva à prisão. Vemos em José a prefiguração de Jesus, vendido por um dos seus irmãos (do grupo dos Doze) por trinta moedas de prata. O agravante nos irmãos de José é que eles mentem a seu pai, dizendo que José fora atacado por um animal feroz e simulam tal versão dos fatos, sujando com sangue de animal a roupa de José.

Na prisão, José já se destaca por seus dons (39, 20b – 40, 23). O que o leva a ser o intérprete dos sonhos do faraó (41, 1 – 36), revelando a sabedoria de Deus nos fatos da vida, nos sete anos de abundância e nos sete anos de seca que o Egito enfrentaria. Sua sabedoria o levou a ser exaltado pelo faraó (41, 37 – 49), prefigurando a exaltação de Cristo mediante sua ressurreição. Os filhos de José, Efraim e Manassés (41, 50 – 52), seriam patriarcas de duas importantes tribos de Israel.

Como fora previsto por José, chegou a fome na região do Egito e lugares circunvizinhos, inclusive em Canaã (41, 53 – 57). Neste contexto, os irmãos de José vão até o Egito à compra de víveres para seu grupo de Canaã. José os reconhece. Eles não reconhecem José. (42, 1 – 24) e José os coloca à prova, permitindo que retornem (42, 25 – 38), desde que tragam Benjamin (irmão caçula de José) para o Egito. Simeão ficou como refém. Por fim, os irmãos de José retornam com Benjamin e se reencontram com José no Egito (43, 1 – 34), ocasião em que José manifesta a preferência por seu irmão caçula. Entretanto, mais uma vez, José coloca seus irmãos à prova: a taça na sacola de Benjamin (44, 1 17) é deixada de propósito, ao ponto de gerar uma tensão intensa entre José e seus irmãos. Mas José estava pondo-os à prova. Judá intervém (44, 18 – 34) para defender o irmão caçula. E, assim, José se dá a conhecer aos seus irmãos (45, 1 – 15), concedendo-lhes o perdão e convidando-os a morar no Egito com o pai Jacó (46, 16 – 28). Os irmãos de José voltam a Canaã para buscar o pai Jacó, já bem idoso.

É tocante o retorno de Jacó ao Egito e seu acolhimento por José (46, 1 – 7. 28 – 34).

Ao abençoar seus filhos (49, 1ss), Jacó concede na bênção o que a cada um convinha, sem poupar os que realmente mereciam algo mais severo ou desagradável. Por fim, o texto nos fala da morte e funerais de Jacó (49, 29 – 50, 14). Mais uma vez José concede o perdão a seus irmãos em consideração a seu pai Jacó (50, 15 – 26) e, enfim, José morre no Egito.

A história de José nos ensina que:

– Deus tem seus escolhidos para realizar uma grande missão: no caso de José, Deus salva um família (digo mais: um povo inteiro!) do extermínio da fome; mais tarde, na plenitude dos tempo, o Filho dileto do Pai traria a salvação de toda a humanidade mediante sua Paixâo, Morte e Ressurreição;

– o justo, mesmo desprezado e até vendido como escravo, no caso de José, mantém-se firme no Senhor, colocando sua confiança na providência do Senhor da vida e da história e concede o perdão aos seus agressores no tempo oportuno;

– na interpretação dos sonhos que José faz, percebemos desde já a tendência sapiencial da fé no Antigo Testamento, que também interpretará os fatos da vida em função dos planos de Deus; mais tarde, essa sabedoria está nos oráculos e exortações dos profetas, em cujas experiências, terão visões que serão também interpretadas pelos mesmos; Jesus, ao revelar-se, se mostrará como a sabedoria do Pai entre os homens;

– José, sendo o justo que sofre não só a rejeição dos irmãos, mas a cilada que a esposa de Putifar lhe preparou, é uma prefiguração de Jesus, que iria também ser traído, mas iria levantar-se do sepulcro, já ressuscitado, para reunir de novo os seus, remindo-os do pecado e da morte; da condição de escravo, Jesus foi exaltado na glória de Deus Pai (Fl 2, 5 – 11), assim como José fora exaltado pelo faraó;

– nas “linhas tortas” dos fatos históricos Deus vai delineando uma história de fé e de salvação, mesmo apostando no ser humano, apesar dos absurdos que são realizados mediante ao exercício da liberdade humana: Deus dá a direção para que o bem sempre prevaleça e seu amor seja reconhecido, apesar dos sofrimentos pelos quais precisaríamos passar; na história de José o perdão prevalece sobre todos os fatos que o antecederam e se tornou resposta do justo a tudo o que ele sofreu, a exemplo de Jesus, que tanto padeceu por nós, mas nos concedeu a remissão dos pecados.

 

Pe. Éder Aparecido MonteiroComissão de Liturgia

Liturgia nos Ritos da Iniciação Cristã (Parte 2)

No artigo anterior apresentamos este tema, que para muitos de nós ainda é novidade, as liturgias inseridas na vida da comunidade a partir da catequese. Neste texto vamos aprofundar o sentido dos símbolos e sinais que os catequizandos vivenciam, na preparação para os sacramentos da iniciação cristã. Na celebração do 1º Domingo da Quaresma, que é a “Eleição”, os catequizandos, são chamados de “eleitos”. Depois voltam a participar das celebrações específicas, onde símbolos e sinais marcam a caminhada, apontando para os passos futuros. Comentarei aqui as celebrações que já estão no site da Diocese de Guarulhos, as celebrações específicas para a catequese de crianças, disponíveis no link  https://diocesedeguarulhos.com.br/catequese/catequese-criancas/ 4ª etapa.

Os momentos específicos para os catequizandos / eleitos são chamados de “escrutínios”. São ritos para purificar as intenções e clarear o chamado divino para cada um deles. Estes ritos acontecem no 3º, 4º e 5º domingos da Quaresma Em todos os escrutínios há preces específicas que a comunidade faz pelos eleitos.

No primeiro escrutínio acontece a assinalação dos sentidos com o sinal da cruz. Os padrinhos, pais ou catequistas assinalam os eleitos nos sentidos, para que a salvação se torne um “sinal sensível”, um sinal sacramental, na vida de cada eleito. O texto por si mesmo já é bem elucidativo: Recebam o sinal-da-cruz nos ouvidos, para que vocês ouçam a voz do Senhor… nos olhos, para que vocês vejam a glória de Deus… na boca, para que vocês respondam à Palavra de Deus… no peito, para que Cristo habite pela fé em seus corações… nos ombros, para que vocês carreguem o jugo suave de Cristo. Este ritual simboliza o seguinte: que a pessoa toda, sendo marcada com o sinal da cruz, que sua vida transmita a vida nova de Cristo, na qual ela será iniciada pelos sacramentos.

O segundo escrutínio traz o rito do “Éfeta”. Novamente os sentidos são alertados: tocam-se os ouvidos e os lábios de cada eleito, com a seguinte prece: “Éfeta, isto é, abre-te, a fim de proclamares o que ouviste, para louvor e glória de Deus”. E a prece continua: “Pai de bondade… libertai estes eleitos dos erros que cegam. Concedei-lhes, de olhos fixos na verdade, tornem-se para sempre filhos da luz”.

No terceiro escrutínio os eleitos são ungidos com o óleo dos catecúmenos, que simboliza a força de Cristo para viver a vida nova do seu Reino. Quem preside suplica: “… concedei a estes catecúmenos a força, a sabedoria e as virtudes divinas, para quem sigam o caminho do Evangelho de Jesus, tornem-se generosos no serviço do reino e, dignos da adoção filial, alegrem-se por terem renascido e viverem em vossa Igreja”. Depois que os eleitos são ungidos, continua a prece: “… arrancai da morte os que escolhestes e desejam receber a vida pelo Batismo… Submetei-os ao poder do vosso Filho amado, para receberem dele a força da ressurreição e testemunharem, diante de todos, a vossa glória”.

As preces, ritos e gestos dos escrutínios querem tornar visível e sensível o sentido dos sacramentos da iniciação cristã: mergulhar a pessoa toda na vida de Cristo, na Palavra de Deus, na vida de oração e no testemunho da comunidade. A beleza dos ritos aponta para dimensões muito práticas da vida cristã. Em todos os escrutínios, a comunidade ora pelos eleitos, que ainda não têm a profundidade de tudo que vão experimentar nos sacramentos, mas sua vida será marcada para sempre com a graça do Batismo. Por isso a comunidade deve acompanhá-los, nesta preparação imediata, e também nos passos posteriores, para que a semente de vida nova que receberam dê muitos frutos para a esperança da comunidade e do mundo.

 

Pe Jair Costapela Comissão Diocesana de Liturgia

O nascimento de uma vocação

Antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei.” (Jr 1,5).

Esse texto retrata o chamado do profeta Jeremias. Ele foi escolhido por Deus para anunciar a necessária conversão de Israel. Que o povo se arrependesse e que mudasse de vida. Mas, como nasce uma vocação? O que a constitui? Iniciaremos, com este texto, uma série sobre a formação dos sacerdotes, a começar pela descoberta da vocação.

Quantas vezes na comunidade não escutamos comentários como: fulano tem cara de padre! O que será mesmo a vocação? A etimologia da palavra é de origem latina vocare. Os significados são: chamar, convocar, escolher. Em todos estes significados, uma raiz comum – o chamado, a convocação, a escolha, ambos têm um autor: Deus.

Creio que o primeiro chamado de Deus para nós é a vida. Fomos formados e constituídos seres humanos já com uma missão específica: a glória de Deus! Santo Irineu de Lião já dizia: “A glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus”. Não obstante a vida, Deus com sua generosidade, ainda nos chama a uma vocação universal: À SANTIDADE. Independente da vocação específica de cada um de nós, a santidade é imperativo para todos. “Antes, como é santo aquele que vos chamou, tornai-vos também vós santos em todo o vosso comportamento, porque está escrito: Sede santos, porque eu sou santo” (1 Pd 1,15-16). Não importa o estado de vida, casados, solteiros, consagrados, leigos e leigas, o convite se repete “Sede santos, como o vosso Pai do céu é santo.” (Mt 5,48).

Mas, e a vocação específica, onde ela se localiza na Igreja? Na Igreja, o Espírito distribui seus dons e carismas com abundância. E convoca os fiéis a assumirem uma vocação específica. São vocações laicais, sacerdotais e religiosas. Dentro da vocação laical há diversidade, o matrimônio, os que escolhem o celibato sem estarem ligados a institutos ou congregações, as virgens que se consagram, etc.

A vocação sacerdotal, vocação específica, nasce de um encontro da vontade de Deus e da resposta do que é chamado. E Deus chama das mais diversas formas. Às vezes, o candidato descobre sua vocação no contato com algum sacerdote, às vezes com uma canção, outras vezes em um retiro, numa pregação, enfim, os meios que Deus se utiliza para chamar são diversos, mas o fim é o mesmo: constituir sacerdotes para distribuir sua multiforme graça.

A Igreja, através de seus sacerdotes, santifica o povo na distribuição dos sacramentos. Aquele que um dia olhava a comunidade e reconhecia as grandes necessidades dela, agora se coloca à serviço. Reconhece que Deus lhe está chamando. Nem sempre é uma decisão tranquila; às vezes, nossa resistência à vontade de Deus nos faz crer sermos chamados à outra vocação, ou até mesmo o medo de responder. Muitas vezes é uma luta travada entre o Chamado e o que Chama: sempre ganha o que Chama. “Tu me seduziste Senhor, e eu me deixei seduzir; Tu te tornastes forte demais para mim, tu me dominaste” (Jr 20,7).

Lembro-me do menino tímido que, de longe, olhava o padre e dentro do seu coração uma voz dizia: “Vem e segue-me” (Mt 19,21). Ao ouvir as palavras do prefácio da oração Eucarística: “Corações ao alto”, pensava comigo: Ele deseja meu coração unido ao dEle. Reconheci que Ele me chamava para a vocação sacerdotal. Ele me chamava a deixar a timidez e o comodismo para lançar redes.  A vocação nasce de um encontro de amor, de um chamado irresistível. Ele venceu! Assim, nasce a vocação. Quando Deus vence.

 

Padre Cristiano Sousa – Representante dos Presbíteros

ONDE ESTAMOS NESTA PÁSCOA?

Após dois anos sem celebramos a Páscoa presencialmente em nossas comunidades, neste mês de abril estamos nos preparando e, com a graça de Deus, estaremos em nossas comunidades para esta celebração que é o coração e o centro do Ano Litúrgico, bem como a força vital da missão da Igreja.

Como sempre digo a Páscoa de 2022 é única e diferente de todas as outras, não somente pela celebração presencial, mas porque tornamos presente no hoje da nossa história a ação salvífica e libertadora de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O mistério pascal está sempre rodeado por acontecimentos de morte, consequência do pecado. Em meio a situações de morte, Deus sempre aparece fazendo Aliança com seu povo. Ele é o Deus que defende a vida, mesmo quando, por justiça, a consequência deveria ser a morte. Foi assim desde Caim até Jesus Cristo, os apóstolos e os mártires de todos os tempos.  Nosso Deus nos dá a vida em Jesus Cristo, apesar dos nossos pecados, crueldades e absurdos e abusos contra a vida. A Páscoa é sempre uma nova resposta de Deus à nossa história.

A Páscoa de 2022 também está rodeada por acontecimentos de morte, seja em nossa vida pessoal, como na história da nossa sociedade. Temos o horrendo dado estatístico da pandemia com quase 660 mil mortes no Brasil, tantas e tantas das quais poderiam ter sido evitadas, se a defesa da vida tivesse sido colocada acima de interesses pessoais. Enfrentamos, talvez por negligência das pessoas, uma desigualdade vacinal em nosso País. Temos também uma desigualdade vacinal no mundo; em países pobres nem mesmo a primeira dose foi aplicada.  As terras indígenas têm permissão de serem invadidas para satisfazer a ganância de garimpeiros, que não se importam com a nossa casa comum. A guerra do Leste Europeu nos faz ver tanta barbárie e nos atinge economicamente gerando mais pobreza e miséria. Vemos diante deste quadro pessoas procurando tirar vantagens em todas as situações, principalmente às custas dos mais necessitados. A injustiça mata. A injustiça dói.

Temos também os nossos dramas pessoais que não estão alheios ao olhar misericordioso de Deus.

Não obstante tantos flagelos que temos passado, de modo especial nestes dois últimos anos, o “coração do faraó continua endurecido”.  Como no Êxodo, “Deus endureceu o coração do faraó.” Por quê? Para que naqueles onde reside a fé, haja luz, enquanto as trevas dominam os de coração endurecido, e esta luz permita ver o Deus Salvador e Libertador. Na noite das trevas para o Egito, Deus liberta o seu povo, conduzindo-o pela coluna luminosa e o faz atravessar o mar a pé enxuto, “rumo à terra onde corre leite e mel.” Deus faz distinção entre Israel e os egípcios. Deus, na força da ressurreição do seu Filho Jesus Cristo, faz distinção entre os que se deixam guiar pela luz da fé e os que endurecem o coração como o faraó.

Onde estamos nesta Páscoa, no exército do faraó ou com Jesus, junto à Cruz? Estamos com o coração endurecido, acreditando que a melhor resposta é responder ao mal com o mal (“olho por olho e dente por dente”)? Estamos com o coração endurecido a ponto de acreditarmos que uma revolução política irá trazer a paz e que esta será alcançada com o povo tendo a possibilidade de portar armas de fogo, de modo que Caim continue a matar Abel? Estamos com o coração endurecido a ponto de chegarmos à conclusão de que a vingança é a resposta de justiça? Estamos com o coração endurecido desacreditando da Doutrina Social da Igreja (de modo especial a “Laudato Sí” e a “Fratelli Tutti”)? Estamos contemplando Jesus no seu mistério pascal – nos emocionando até – mas dizendo interiormente e externamente até, que os tempos são outros e é preciso abrir exceções à mensagem do Evangelho?

Podemos, porém, estar junto a Cruz, acreditando que o “está tudo consumado” de Jesus é a vitória do amor numa nova dimensão, apesar de toda injustiça e assassinato. Podemos estar junto à Cruz do Senhor, acreditando que este amor é mais forte do que a morte e que vence a morte. Podemos estar junto à Cruz de Jesus, acreditando contra toda desilusão humana, que o nosso Deus é fiel.

A alegria da celebração pascal dependerá do lado que estivermos.

 

Dom Edmilson Amador Caetano, O.Cist.Bispo diocesano