Diocese de Guarulhos

SÃO PAULO - BRASIL

“O Senhor fez em mim maravilhas.” (Lc 1,49)

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DA SOMBRA À LUZ

O que podemos fazer para construir a paz?

Estamos celebrando a Páscoa, uma época de alegria e renovação. Mas é difícil envolver-se num clima festivo em meio a morte e devastação provocada pela guerra entre Rússia e Ucrânia. É triste ver a imagem de idosos, mulheres e crianças batendo em retirada de suas casas, deixando para trás um rastro de destruição. Como entender que em pleno século 21 com tanto avanço da ciência, a guerra ainda seja uma realidade? Enfim como explicar a guerra às crianças se nem nós adultos conseguimos entender o que está acontecendo?

O Iluminismo, movimento que ocorreu entre os séculos XVII e XVIII, inaugurava uma época em que a razão deveria prevalecer e nortear o progresso da humanidade. Não haveria mais lugar para expansionismo, colonialismo, escravidão nem subjugação de um povo pelo outro. Dentro dessa ótica, num mundo governado pela razão não haveria mais espaço para guerras, nem atrocidades. Mas, apesar das conquistas impulsionadas pelo Iluminismo como a Revolução francesa, Revolução industrial, ainda vivemos uma época de barbárie onde seres humanos matam outros seres humanos, por quê?

De acordo com Carl Gustav Jung, anterior ao inconsciente pessoal existe o inconsciente coletivo. Ali estão depositados os substratos das experiências do homem desde os tempos mais remotos. No inconsciente coletivo reside a Sombra que representa o oposto do Ego consciente. A Sombra tanto no Inconsciente pessoal como no Coletivo é aquela parte animalesca representada pelos desejos imorais, atitudes violentas e atrozes. A Sombra, quando não elaborada, traz do inconsciente o aspecto primitivo; ela fez todas as guerras e está fazendo esta e vai fazer a próxima, isto, evidentemente, se houver a próxima.

A humanidade é composta por seres humanos e enquanto não houver paz e segurança em nível micro, não haverá no macro. Não pode haver poucos com muito e muitos com pouco. A guerra é feita pela ambição de uns e a fragilidade de outros. Enfim a paz só será construída a partir do micro, ela começa em cada ser humano, se estende para as famílias, cidades, constrói um povo e faz governantes. Por mais utópico que pareça, a paz mundial tem que começar em cada um de nós; chega de guerra. Carl Gustav Jung disse: “Nós precisamos entender melhor a natureza humana, porque o único perigo real que realmente existe, é o próprio homem”.

 

Romildo R. Almeida – Psicólogo clínico

JOSÉ DO EGITO: A FÉ POSTA À PROVA

Na história de José, o preferido de Jacó no Gênesis, percebemos uma ação discreta de Deus no desenrolar dos fatos da vida de José e de seus irmãos.

A preferência do pai em relação a José o coloca numa situação conflituosa com seus irmãos (37, 2b – 11). Os sonhos que José tem aumenta a tensão entre seus irmãos e ele. Por fim, vendido como escravo pelos irmãos (37, 12 – 36), José vai parar no Egito (39, 1 – 6), onde enfrentará uma cilada por parte da esposa de Putifar, seu senhor (39, 7 – 20), que o leva à prisão. Vemos em José a prefiguração de Jesus, vendido por um dos seus irmãos (do grupo dos Doze) por trinta moedas de prata. O agravante nos irmãos de José é que eles mentem a seu pai, dizendo que José fora atacado por um animal feroz e simulam tal versão dos fatos, sujando com sangue de animal a roupa de José.

Na prisão, José já se destaca por seus dons (39, 20b – 40, 23). O que o leva a ser o intérprete dos sonhos do faraó (41, 1 – 36), revelando a sabedoria de Deus nos fatos da vida, nos sete anos de abundância e nos sete anos de seca que o Egito enfrentaria. Sua sabedoria o levou a ser exaltado pelo faraó (41, 37 – 49), prefigurando a exaltação de Cristo mediante sua ressurreição. Os filhos de José, Efraim e Manassés (41, 50 – 52), seriam patriarcas de duas importantes tribos de Israel.

Como fora previsto por José, chegou a fome na região do Egito e lugares circunvizinhos, inclusive em Canaã (41, 53 – 57). Neste contexto, os irmãos de José vão até o Egito à compra de víveres para seu grupo de Canaã. José os reconhece. Eles não reconhecem José. (42, 1 – 24) e José os coloca à prova, permitindo que retornem (42, 25 – 38), desde que tragam Benjamin (irmão caçula de José) para o Egito. Simeão ficou como refém. Por fim, os irmãos de José retornam com Benjamin e se reencontram com José no Egito (43, 1 – 34), ocasião em que José manifesta a preferência por seu irmão caçula. Entretanto, mais uma vez, José coloca seus irmãos à prova: a taça na sacola de Benjamin (44, 1 17) é deixada de propósito, ao ponto de gerar uma tensão intensa entre José e seus irmãos. Mas José estava pondo-os à prova. Judá intervém (44, 18 – 34) para defender o irmão caçula. E, assim, José se dá a conhecer aos seus irmãos (45, 1 – 15), concedendo-lhes o perdão e convidando-os a morar no Egito com o pai Jacó (46, 16 – 28). Os irmãos de José voltam a Canaã para buscar o pai Jacó, já bem idoso.

É tocante o retorno de Jacó ao Egito e seu acolhimento por José (46, 1 – 7. 28 – 34).

Ao abençoar seus filhos (49, 1ss), Jacó concede na bênção o que a cada um convinha, sem poupar os que realmente mereciam algo mais severo ou desagradável. Por fim, o texto nos fala da morte e funerais de Jacó (49, 29 – 50, 14). Mais uma vez José concede o perdão a seus irmãos em consideração a seu pai Jacó (50, 15 – 26) e, enfim, José morre no Egito.

A história de José nos ensina que:

– Deus tem seus escolhidos para realizar uma grande missão: no caso de José, Deus salva um família (digo mais: um povo inteiro!) do extermínio da fome; mais tarde, na plenitude dos tempo, o Filho dileto do Pai traria a salvação de toda a humanidade mediante sua Paixâo, Morte e Ressurreição;

– o justo, mesmo desprezado e até vendido como escravo, no caso de José, mantém-se firme no Senhor, colocando sua confiança na providência do Senhor da vida e da história e concede o perdão aos seus agressores no tempo oportuno;

– na interpretação dos sonhos que José faz, percebemos desde já a tendência sapiencial da fé no Antigo Testamento, que também interpretará os fatos da vida em função dos planos de Deus; mais tarde, essa sabedoria está nos oráculos e exortações dos profetas, em cujas experiências, terão visões que serão também interpretadas pelos mesmos; Jesus, ao revelar-se, se mostrará como a sabedoria do Pai entre os homens;

– José, sendo o justo que sofre não só a rejeição dos irmãos, mas a cilada que a esposa de Putifar lhe preparou, é uma prefiguração de Jesus, que iria também ser traído, mas iria levantar-se do sepulcro, já ressuscitado, para reunir de novo os seus, remindo-os do pecado e da morte; da condição de escravo, Jesus foi exaltado na glória de Deus Pai (Fl 2, 5 – 11), assim como José fora exaltado pelo faraó;

– nas “linhas tortas” dos fatos históricos Deus vai delineando uma história de fé e de salvação, mesmo apostando no ser humano, apesar dos absurdos que são realizados mediante ao exercício da liberdade humana: Deus dá a direção para que o bem sempre prevaleça e seu amor seja reconhecido, apesar dos sofrimentos pelos quais precisaríamos passar; na história de José o perdão prevalece sobre todos os fatos que o antecederam e se tornou resposta do justo a tudo o que ele sofreu, a exemplo de Jesus, que tanto padeceu por nós, mas nos concedeu a remissão dos pecados.

 

Pe. Éder Aparecido MonteiroComissão de Liturgia

Liturgia nos Ritos da Iniciação Cristã (Parte 2)

No artigo anterior apresentamos este tema, que para muitos de nós ainda é novidade, as liturgias inseridas na vida da comunidade a partir da catequese. Neste texto vamos aprofundar o sentido dos símbolos e sinais que os catequizandos vivenciam, na preparação para os sacramentos da iniciação cristã. Na celebração do 1º Domingo da Quaresma, que é a “Eleição”, os catequizandos, são chamados de “eleitos”. Depois voltam a participar das celebrações específicas, onde símbolos e sinais marcam a caminhada, apontando para os passos futuros. Comentarei aqui as celebrações que já estão no site da Diocese de Guarulhos, as celebrações específicas para a catequese de crianças, disponíveis no link  https://diocesedeguarulhos.com.br/catequese/catequese-criancas/ 4ª etapa.

Os momentos específicos para os catequizandos / eleitos são chamados de “escrutínios”. São ritos para purificar as intenções e clarear o chamado divino para cada um deles. Estes ritos acontecem no 3º, 4º e 5º domingos da Quaresma Em todos os escrutínios há preces específicas que a comunidade faz pelos eleitos.

No primeiro escrutínio acontece a assinalação dos sentidos com o sinal da cruz. Os padrinhos, pais ou catequistas assinalam os eleitos nos sentidos, para que a salvação se torne um “sinal sensível”, um sinal sacramental, na vida de cada eleito. O texto por si mesmo já é bem elucidativo: Recebam o sinal-da-cruz nos ouvidos, para que vocês ouçam a voz do Senhor… nos olhos, para que vocês vejam a glória de Deus… na boca, para que vocês respondam à Palavra de Deus… no peito, para que Cristo habite pela fé em seus corações… nos ombros, para que vocês carreguem o jugo suave de Cristo. Este ritual simboliza o seguinte: que a pessoa toda, sendo marcada com o sinal da cruz, que sua vida transmita a vida nova de Cristo, na qual ela será iniciada pelos sacramentos.

O segundo escrutínio traz o rito do “Éfeta”. Novamente os sentidos são alertados: tocam-se os ouvidos e os lábios de cada eleito, com a seguinte prece: “Éfeta, isto é, abre-te, a fim de proclamares o que ouviste, para louvor e glória de Deus”. E a prece continua: “Pai de bondade… libertai estes eleitos dos erros que cegam. Concedei-lhes, de olhos fixos na verdade, tornem-se para sempre filhos da luz”.

No terceiro escrutínio os eleitos são ungidos com o óleo dos catecúmenos, que simboliza a força de Cristo para viver a vida nova do seu Reino. Quem preside suplica: “… concedei a estes catecúmenos a força, a sabedoria e as virtudes divinas, para quem sigam o caminho do Evangelho de Jesus, tornem-se generosos no serviço do reino e, dignos da adoção filial, alegrem-se por terem renascido e viverem em vossa Igreja”. Depois que os eleitos são ungidos, continua a prece: “… arrancai da morte os que escolhestes e desejam receber a vida pelo Batismo… Submetei-os ao poder do vosso Filho amado, para receberem dele a força da ressurreição e testemunharem, diante de todos, a vossa glória”.

As preces, ritos e gestos dos escrutínios querem tornar visível e sensível o sentido dos sacramentos da iniciação cristã: mergulhar a pessoa toda na vida de Cristo, na Palavra de Deus, na vida de oração e no testemunho da comunidade. A beleza dos ritos aponta para dimensões muito práticas da vida cristã. Em todos os escrutínios, a comunidade ora pelos eleitos, que ainda não têm a profundidade de tudo que vão experimentar nos sacramentos, mas sua vida será marcada para sempre com a graça do Batismo. Por isso a comunidade deve acompanhá-los, nesta preparação imediata, e também nos passos posteriores, para que a semente de vida nova que receberam dê muitos frutos para a esperança da comunidade e do mundo.

 

Pe Jair Costapela Comissão Diocesana de Liturgia

O nascimento de uma vocação

Antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei.” (Jr 1,5).

Esse texto retrata o chamado do profeta Jeremias. Ele foi escolhido por Deus para anunciar a necessária conversão de Israel. Que o povo se arrependesse e que mudasse de vida. Mas, como nasce uma vocação? O que a constitui? Iniciaremos, com este texto, uma série sobre a formação dos sacerdotes, a começar pela descoberta da vocação.

Quantas vezes na comunidade não escutamos comentários como: fulano tem cara de padre! O que será mesmo a vocação? A etimologia da palavra é de origem latina vocare. Os significados são: chamar, convocar, escolher. Em todos estes significados, uma raiz comum – o chamado, a convocação, a escolha, ambos têm um autor: Deus.

Creio que o primeiro chamado de Deus para nós é a vida. Fomos formados e constituídos seres humanos já com uma missão específica: a glória de Deus! Santo Irineu de Lião já dizia: “A glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus”. Não obstante a vida, Deus com sua generosidade, ainda nos chama a uma vocação universal: À SANTIDADE. Independente da vocação específica de cada um de nós, a santidade é imperativo para todos. “Antes, como é santo aquele que vos chamou, tornai-vos também vós santos em todo o vosso comportamento, porque está escrito: Sede santos, porque eu sou santo” (1 Pd 1,15-16). Não importa o estado de vida, casados, solteiros, consagrados, leigos e leigas, o convite se repete “Sede santos, como o vosso Pai do céu é santo.” (Mt 5,48).

Mas, e a vocação específica, onde ela se localiza na Igreja? Na Igreja, o Espírito distribui seus dons e carismas com abundância. E convoca os fiéis a assumirem uma vocação específica. São vocações laicais, sacerdotais e religiosas. Dentro da vocação laical há diversidade, o matrimônio, os que escolhem o celibato sem estarem ligados a institutos ou congregações, as virgens que se consagram, etc.

A vocação sacerdotal, vocação específica, nasce de um encontro da vontade de Deus e da resposta do que é chamado. E Deus chama das mais diversas formas. Às vezes, o candidato descobre sua vocação no contato com algum sacerdote, às vezes com uma canção, outras vezes em um retiro, numa pregação, enfim, os meios que Deus se utiliza para chamar são diversos, mas o fim é o mesmo: constituir sacerdotes para distribuir sua multiforme graça.

A Igreja, através de seus sacerdotes, santifica o povo na distribuição dos sacramentos. Aquele que um dia olhava a comunidade e reconhecia as grandes necessidades dela, agora se coloca à serviço. Reconhece que Deus lhe está chamando. Nem sempre é uma decisão tranquila; às vezes, nossa resistência à vontade de Deus nos faz crer sermos chamados à outra vocação, ou até mesmo o medo de responder. Muitas vezes é uma luta travada entre o Chamado e o que Chama: sempre ganha o que Chama. “Tu me seduziste Senhor, e eu me deixei seduzir; Tu te tornastes forte demais para mim, tu me dominaste” (Jr 20,7).

Lembro-me do menino tímido que, de longe, olhava o padre e dentro do seu coração uma voz dizia: “Vem e segue-me” (Mt 19,21). Ao ouvir as palavras do prefácio da oração Eucarística: “Corações ao alto”, pensava comigo: Ele deseja meu coração unido ao dEle. Reconheci que Ele me chamava para a vocação sacerdotal. Ele me chamava a deixar a timidez e o comodismo para lançar redes.  A vocação nasce de um encontro de amor, de um chamado irresistível. Ele venceu! Assim, nasce a vocação. Quando Deus vence.

 

Padre Cristiano Sousa – Representante dos Presbíteros

ONDE ESTAMOS NESTA PÁSCOA?

Após dois anos sem celebramos a Páscoa presencialmente em nossas comunidades, neste mês de abril estamos nos preparando e, com a graça de Deus, estaremos em nossas comunidades para esta celebração que é o coração e o centro do Ano Litúrgico, bem como a força vital da missão da Igreja.

Como sempre digo a Páscoa de 2022 é única e diferente de todas as outras, não somente pela celebração presencial, mas porque tornamos presente no hoje da nossa história a ação salvífica e libertadora de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O mistério pascal está sempre rodeado por acontecimentos de morte, consequência do pecado. Em meio a situações de morte, Deus sempre aparece fazendo Aliança com seu povo. Ele é o Deus que defende a vida, mesmo quando, por justiça, a consequência deveria ser a morte. Foi assim desde Caim até Jesus Cristo, os apóstolos e os mártires de todos os tempos.  Nosso Deus nos dá a vida em Jesus Cristo, apesar dos nossos pecados, crueldades e absurdos e abusos contra a vida. A Páscoa é sempre uma nova resposta de Deus à nossa história.

A Páscoa de 2022 também está rodeada por acontecimentos de morte, seja em nossa vida pessoal, como na história da nossa sociedade. Temos o horrendo dado estatístico da pandemia com quase 660 mil mortes no Brasil, tantas e tantas das quais poderiam ter sido evitadas, se a defesa da vida tivesse sido colocada acima de interesses pessoais. Enfrentamos, talvez por negligência das pessoas, uma desigualdade vacinal em nosso País. Temos também uma desigualdade vacinal no mundo; em países pobres nem mesmo a primeira dose foi aplicada.  As terras indígenas têm permissão de serem invadidas para satisfazer a ganância de garimpeiros, que não se importam com a nossa casa comum. A guerra do Leste Europeu nos faz ver tanta barbárie e nos atinge economicamente gerando mais pobreza e miséria. Vemos diante deste quadro pessoas procurando tirar vantagens em todas as situações, principalmente às custas dos mais necessitados. A injustiça mata. A injustiça dói.

Temos também os nossos dramas pessoais que não estão alheios ao olhar misericordioso de Deus.

Não obstante tantos flagelos que temos passado, de modo especial nestes dois últimos anos, o “coração do faraó continua endurecido”.  Como no Êxodo, “Deus endureceu o coração do faraó.” Por quê? Para que naqueles onde reside a fé, haja luz, enquanto as trevas dominam os de coração endurecido, e esta luz permita ver o Deus Salvador e Libertador. Na noite das trevas para o Egito, Deus liberta o seu povo, conduzindo-o pela coluna luminosa e o faz atravessar o mar a pé enxuto, “rumo à terra onde corre leite e mel.” Deus faz distinção entre Israel e os egípcios. Deus, na força da ressurreição do seu Filho Jesus Cristo, faz distinção entre os que se deixam guiar pela luz da fé e os que endurecem o coração como o faraó.

Onde estamos nesta Páscoa, no exército do faraó ou com Jesus, junto à Cruz? Estamos com o coração endurecido, acreditando que a melhor resposta é responder ao mal com o mal (“olho por olho e dente por dente”)? Estamos com o coração endurecido a ponto de acreditarmos que uma revolução política irá trazer a paz e que esta será alcançada com o povo tendo a possibilidade de portar armas de fogo, de modo que Caim continue a matar Abel? Estamos com o coração endurecido a ponto de chegarmos à conclusão de que a vingança é a resposta de justiça? Estamos com o coração endurecido desacreditando da Doutrina Social da Igreja (de modo especial a “Laudato Sí” e a “Fratelli Tutti”)? Estamos contemplando Jesus no seu mistério pascal – nos emocionando até – mas dizendo interiormente e externamente até, que os tempos são outros e é preciso abrir exceções à mensagem do Evangelho?

Podemos, porém, estar junto a Cruz, acreditando que o “está tudo consumado” de Jesus é a vitória do amor numa nova dimensão, apesar de toda injustiça e assassinato. Podemos estar junto à Cruz do Senhor, acreditando que este amor é mais forte do que a morte e que vence a morte. Podemos estar junto à Cruz de Jesus, acreditando contra toda desilusão humana, que o nosso Deus é fiel.

A alegria da celebração pascal dependerá do lado que estivermos.

 

Dom Edmilson Amador Caetano, O.Cist.Bispo diocesano

XI Assembleia Diocesana – “O Senhor fez em nós maravilhas” (Lc 1,49)

Amados Diocesanos, abaixo temos as prioridades escolhidas na Assembleia diocesana realizada em 12 de março de 2022.

Bendito Seja Deus!

PILAR DA PALAVRA: INICIAÇÃO CRISTÃ E ANIMAÇÃO BÍBLICA DA VIDA E DA PASTORAL

  1. Assumir o caminho de iniciação à vida cristã, de inspiração catecumenal, com a necessária reformulação da estrutura paroquial, catequética e litúrgica;
  2. Revisar, a partir dos desafios do mundo urbano, o dinamismo das comunidades eclesiais missionárias, possibilitando que o anúncio de Jesus Cristo transforme pessoa, famílias, ambientes, instituições e estruturas sociais;

 

PILAR DO PÃO: LITURGIA E ESPIRITUALIDADE

  1. Valorizar a pastoral litúrgica: canto litúrgico, o espaço sagrado e tudo que diz respeito ao belo serviço da vida espiritual (incentivar a comunhão entre as pastorais da liturgia, da catequese, da cultura e da arte sacra);
  2. Resgatar a centralidade do Domingo como Dia do Senhor por meio da participação na Missa dominical ou, faltando essa, na Celebração da Palavra (é importante que a comunidade não deixe de se reunir para celebrar o Dia do Senhor);
  3. 03. Priorizar o sacramento da Penitência junto a Pastoral da Escuta.

 

PILAR DA CARIDADE: A SERVIÇO DA VIDA

  1. A ação pastoral junto às famílias e jovens deve estar presente em todas as comunidades, fortalecendo e esclarecendo a defesa da vida humana, desde a fecundação até a morte natural.
  2. Encorajar o laicato a continuar o empenho apostólico, inspirado na Doutrina Social da Igreja, pela transformação da realidade (política partidária, pastorais sociais, mundo da educação, conselhos de direitos, elaboração e acompanhamento de políticas públicas, o cuidado da natureza);

 

PILAR DA AÇÃO MISSIONÁRIA: ESTADO PERMANENTE DE MISSÃO

  1. 01. Investir em comunidades que se autocompreendam como missionárias, em estado permanente de missão, indo além de uma pastoral de manutenção. Anúncio explícito da pessoa de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e se abrindo a uma autêntica conversão pastoral.
  2. Valorizar as pastorais e movimentos que já atuam nos espaços missionários: os hospitais, as escolas e as universidades, o mundo da cultura e das ciências, os presídios e outros lugares de detenção;

Roguemos a Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa, Mãe da providência, para que interceda por nós. E que estejamos abertos a ação do Espírito Santo em nossa ação pastoral. Coragem!

 

Pe. Marcelo Dias Soares – Coordenador Diocesano de Pastoral

Liturgia nos Ritos da Iniciação Cristã

Nesta série de artigos da Liturgia vamos comentar riquezas pouco conhecidas da liturgia: as celebrações com os catequizandos antes da Páscoa. Será muito útil conhecermos estes conteúdos, para celebrarmos bem e crescermos com estas celebrações.

Recordemos um pouco da história da Quaresma: Na catequese de adultos da Igreja antiga, os que seriam batizados na Vigília Pascal faziam 40 dias de intensa oração e jejum. E a comunidade refazia com eles o caminho para a renovação do batismo. Este é o sentido mais antigo da Quaresma: preparar a celebração da Ressurreição.

No Ritual de Iniciação Cristã de Adultos (RICA) há celebrações para integrar os catequizandos na comunidade. A primeira é a “Celebração da Eleição ou Inscrição do Nome”, prevista para o primeiro domingo da quaresma. Está no RICA, números 133 a 151. Vamos aqui resumir o essencial desta celebração:

Depois da Liturgia da Palavra, o padre questiona os catequistas e padrinhos se os catequizandos já amadureceram o suficientemente para receberem os sacramentos. O padre perguntará:

– Os catequizandos ouviram fielmente a Palavra de Deus? Estão vivendo na presença de Deus, como foi ensinado? Têm participado da vida e da oração da comunidade?

Depois da confirmação dos catequistas e padrinhos, o padre perguntará aos próprios catequizandos:

– Vocês querem ser iniciados à vida cristã, pelos sacramentos do Batismo, Crisma e Eucaristia? Querem prosseguir fiéis à santa Igreja, continuando a frequentar a catequese, participando da vida da comunidade?

Depois da resposta afirmativa dos catequizandos, os nomes deles serão escritos num livro. Este livro é uma representação simbólica do “Livro da Vida” citado em Apc 20, 11-15. Os nomes dos catequizandos são escritos no livro, para entrarem no mistério de Cristo que a comunidade vive.

Então, são feitas preces específicas pelos catequizandos, de agora em diante chamados “eleitos”. Na celebração da comunidade, no terceiro, quarto e quinto domingos da quaresma, os eleitos voltarão para receberem novamente a oração da comunidade, em vista dos sacramentos que vão receber.

Observe a dimensão comunitária da catequese e da celebração: os catequizandos são apresentados pelos catequistas e padrinhos para a comunidade, a comunidade acolhe e ora por eles. Um elemento essencial deste rito é o diálogo entre os catequistas, padrinhos e o padre. O outro elemento é a oração: o padre pede que a comunidade reze por aqueles que serão batizados. É a comunidade de fé que acolhe seus novos membros, e o padre preside este diálogo e intercessão (RICA n. 148-149)

Os ritos são muito bonitos, mas precisamos dar um sentido prático para eles. Os catequizandos precisam da acolhida concreta da comunidade, que se torna corresponsável pela vida nova que eles vão assumir. A comunidade precisa viver com eles o caminho do Evangelho e a paixão pelo Reino de Deus, para fazer valer o que os ritos significam.

 

Pe. Jair Costapela Comissão Diocesana de Liturgia

LIBERDADE, EDUCAÇÃO E HISTÓRIA

Como as informações podem nos influenciar?

Recentemente a imprensa repercutiu a fala do Youtuber Monark que em seu podcast disse que o Partido nazista deveria existir legalmente. Essa declaração infeliz culminou com o desligamento de Monark dos canais do Youtube. Vale a pena discutir aqui como a falta de conhecimento sobre a história aliada a irresponsabilidade de quem produz esses conteúdos, podem influenciar jovens e crianças e gerar opiniões como as de Monark. A verdade é que, para o bem ou para o mal, as mídias sociais têm um grande peso no processo de educação.

Educar é atribuição da família, mas há muito tempo as famílias perderam essa capacidade e terceirizaram essa função às escolas, que por sua vez, não têm a credibilidade necessária para fazê-lo. O processo de educação implica um vínculo complexo que envolve discussões e diálogos nos quais se ensina e se aprende tudo ao mesmo tempo. Mas os pais chegam em casa cansados e entregam seus filhos aos computadores. O resultado disso é que estamos criando uma geração de pessoas alienadas que consomem passivamente os conteúdos da internet.

O ideal seria discutir com os filhos o que está acontecendo no seu bairro, na sua cidade, no seu Estado, no país e no mundo. Deveriam ler com os filhos sobre os acontecimentos do passado, sobre guerras, escravidão, extermínio de povos, etc. Por que não discutir sobre racismo, perseguição às minorias, xenofobia e homofobia? É importante saber que as crianças sabem manusear o computador e ter acesso a notícias, mas não têm o discernimento para entender o que é falso e o que é verdadeiro. Sem a participação dos pais elas se tornam consumidoras passivas dos grandes Youtubers e das fake news.

O Papa Francisco em sua carta Encíclica Fratelli Tutti, nos lembra que somos todos irmãos e como tais devemos zelar um pelo outro. Nos lembra também que não existem problemas individuais, que afetem uma só pessoa, uma só localidade. Em última análise o problema de um é problema de todos, pois habitamos a terra, casa comum. A verdadeira escola que educa para a vida é aquela em que há a participação de todos: Pais, Escola e Estado, afinal a História não acontece nos noticiários da TV, mas dentro de cada um de nós.

 

Romildo R. Almeida – Psicólogo clínico

POR UMA EDUCAÇÃO INTEGRAL

A Campanha da Fraternidade, nesta quaresma, nos convida a refletir sobre educação. Penso que o tema escolhido pela CNBB é por demais oportuno. Em primeiro lugar por sua relevância para a construção das bases de uma sociedade melhor, mas também porque os efeitos da pandemia global ocasionada pela Covid-19 foram avassaladores nesse campo.

De saída, cabe-nos a pergunta: o que é educar? Gostaria de relembrar que certa vez, um dos alunos de Michelangelo, escolhendo com seu mestre, pedras a serem esculpidas nas montanhas, perguntou-lhe como que, de forma mágica, tais pedras se transformavam em santos, anjos, papas. Respondeu-lhe apontando uma pedra: “aí dentro tem um anjo, basta tirar os excessos que estão sobrando”.

Dessa reflexão já podemos concluir que o processo de educação não se resume à importante tarefa de garantir às crianças e adolescentes boa instrução escolar e desenvolvimento físico. Muito além, ele deve formar o ser humano em sua integralidade, conduzindo-o a desenvolver-se até sua potência máxima, com a iluminação de sua razão e o fortalecimento de sua vontade.

Tenho que dizer uma pobre herança deixaremos se nossos esforços se centrarem em garantir um diploma aos nossos filhos, se, ao fim, se tornarem pessoas sem princípios claros e sólidos, força de vontade para pô-los em prática, e, acima de tudo, sem fé. Eis a sublime missão de educar, que requer paciência e amor, entregues no dia-a-dia, para eliminar os maus hábitos e descobrir as virtudes dos nossos filhos.

Não é demais lembrar que os governos civis podem e devem amparar nossas famílias para prover educação aos nossos filhos. Aliás, a Constituição Federal que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família (art. 225).

A primazia da educação dos filhos, porém, é dos pais, que não podem delegá-la integralmente à escola, a quem cabe complementar os pais em sua missão, na qual são insubstituíveis. A Igreja nos recorda, na Encíclica Divini Illius Magistri, que os pais, que transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima obrigação de prover a educação religiosa, moral e civil da sua prole, e, por isso, devem ser reconhecidos como seus primeiros e principais educadores.

         Sábias as palavras do Papa Pio XI, que ensinou que “a escola, considerada até nas suas origens históricas, é por sua natureza instituição subsidiária e complementar da família e da Igreja, e portanto, por lógica necessidade moral deve não somente não contraditar, mas harmonizar-se positivamente com os outros dois ambientes, na mais perfeita unidade moral possível, a ponto de poder constituir juntamente com a família e com a Igreja, um único santuário, sacro para a educação cristã, sob pena de falir no seu escopo, e de converter-se, em caso contrário, em obra de destruição”.

Por isso, é necessário que cada família, em sua realidade, invista tempo em educar os filhos na formação das virtudes e do bom caráter.  Além disso, é necessário acompanhar com proximidade a educação ministrada aos filhos na escola, que não tem o direito de, em desserviço à família, desconstruir os princípios e valores transmitidos no lar.

Que essa quaresma seja momento propício para que nos conscientizemos de nosso dever e tomemos as rédeas da educação integral à qual nossos filhos tem direito, ainda que isso signifique abrir mão de outros projetos. Pois não há vitória sem sacrifício. Não há ressurreição sem cruz. E não há missão mais nobre e realizadora, do que levar educar nossos filhos para construir a eternidade aqui, por meio de uma vida santa, para, ao final, levá-los ao Céu.

 

Marcos Antônio Favaro – Procurador Jurídico, pós-graduando em Teologia, mestre em Direito pela PUC-SP

O presbítero sábio

A vida presbiteral é um contínuo encontro com Deus que diz: “Pede o que quiseres e eu te darei” (1Rs 3,5). Pedir o precioso dom da Sabedoria que vem em nosso auxílio, a exemplo de Salomão, permitindo-nos acolher a vontade de Deus, discernir pelas coisas do alto e conferir a autoridade para conduzir e ensinar como verdadeiros educadores na fé.

O tríplice múnus de governar, santificar e ensinar é assumido de maneira efetiva quando o presbítero é capaz de se reconhecer chamado por Deus para o exercício de tão necessário ministério na vida da Igreja. Em Jesus Cristo encontramos a Sabedoria encarnada que nos atrai para si e nos quer configurados à sua vida de maneira tal que tenhamos a admiração por parte do povo ao nos vê ensinando com a vida que se torna evangelho para tantos.

O presbítero sábio é aquele que não age por si e não atrai para si, mas reconhece que a missão à qual foi chamado é para uma vida de doação sincera ao povo de Deus que deve ser instruído na vida cristã com o que prega a santa Igreja. Não é fácil educar na fé se não estivermos unidos a Deus, sendo dóceis aos apelos do Senhor.

O presbítero sábio é aquele que, como o Apóstolo Paulo, transmite o que recebeu, sem trair a fé, a Palavra e o ensinamento dos apóstolos. Ao mesmo tempo, é aquele que reconhece a sua pequenez diante da grandeza de Deus e da missão. Por isso, o presbítero sábio é o que busca por primeiro o Reino de Deus e ensina o povo a também buscar o essencial na vida.

Diante dos tantos desafios, das muitas exigências, das escolhas cotidianas, da necessidade da escuta, dos pedidos de respostas, da desumanidade, cabe-nos a oração: “Dai-nos um coração sábio, Senhor!”. Disse o Papa Francisco numa de suas catequeses: “devemos pedir ao Senhor que nos dê o Espírito Santo e nos dê o dom da sabedoria, daquela sabedoria de Deus que nos ensina a olhar com os olhos de Deus, a ouvir com o coração de Deus, a falar com as palavras de Deus”.

O presbítero sábio é aquele que não alimenta o ódio, o orgulho, o ciúme ministerial, a competitividade, mas tem a humildade de suplicar um coração sábio e caridoso, capaz de preocupar-se com a vida e condução do rebanho, sem esquecer-se de olhar com empatia e misericórdia também para com os irmãos no presbitério. Preocupar-se com o outro e cuidar de si é um profundo gesto de quem tem um coração sábio.

 

Pe. Thiago R. dos Santos – Pastoral Presbiteral