Todos os anos, na Quarta-Feira de Cinzas, nos deparamos com a leitura da profecia de Joel, mais especificamente o capítulo 2. Uma leitura que suscita grande transformação interior e também a exterior. A prática quaresmal deve converter o homem na sua totalidade. O centro é o grande apelo: “Voltai para o Senhor” (vers.12), mas, como voltar? O próprio profeta nos responde: “Com todo o coração, com jejuns, lágrimas e gemidos”. É um apelo contundente. O pecado nos separou da comunhão com Deus e somente o retorno a Ele nos dará a graça da reconciliação já operada em seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo.
Mas, hoje, gostaria de refletir com vocês um outro trecho. Este está no mesmo capítulo, porém, no versículo 17: “Chorem, postos entre o vestíbulo e o altar, os ministros sagrados do Senhor”. Confesso que, ao ouvir este trecho, fiquei a me perguntar o que seria este chorar pois, como ministro sagrado pela força da ordenação sacerdotal, devo ser fiel em tudo à Palavra do Senhor.
A situação de pecado atraiu, ao povo, a desgraça. Uma invasão de gafanhotos que aparece como um exército. O povo precisa voltar arrependido e clamar a misericórdia de Deus. As indicações são cúlticas. O fato dele dizer “rasgai o coração”, não é crítica ao culto, mas à conversão, à interioridade. Deus não suporta cultos vazios.
Por que o ministro sagrado deve chorar? Precisamos antes nos perguntar quem é o ministro sagrado? Como escolhido de Deus e “constituído em favor do povo nas coisas que se referem à Deus” (Hb 5,1), o sacerdote deve, antes de mais nada, tomar um partido. Ele deve ser feroz no zelo pelo Senhor. Quando se transgredir a Lei de Deus, o sacerdote deve ser o primeiro a denunciar e clamar o povo à conversão.
Porque as lágrimas? As lágrimas manifestam, em primeiro, repúdio pelo pecado cometido, e depois a compaixão. No dia 12/02/2020, o Santo Padre, falando sobre as Bem-Aventuranças dos que choram, disse: “Pode-se amar de maneira fria? Pode-se amar por obrigação, por dever? Certamente não! Existem aflitos para consolar mas, às vezes, existem também consolados para afligir, para despertar, que têm um coração de pedra e desaprenderam a chorar. Despertar quem não sabe se comover com a dor dos outros.” O sacerdote deve chorar pelos que se esqueceram de amar a Deus. Eis como o profeta formula a prece do sacerdote: “Perdoa, Senhor, o teu povo, e não deixes que tua herança sofra infâmia e que as nações a dominem”.
Precisamos de ministros sagrados para chorarem as infâmias cometidas contra Deus. Neste tempo de apostasia que vivemos os ataques a Deus, a religião e a fé se multiplicam. Chorem ministros sagrados, derramem lágrimas pelos pecados próprios e pelos os de seu povo. Chorem, ministros sagrados, pelos tão desérticos corações emoldurados na pedra da indiferença! Chorem, ministros sagrados, pelos resistentes à misericórdia, que não buscam o sacramento da confissão! Chorem, ministros sagrados, pelos que acrescentam, a cada dia, um pecado novo às suas listas! Chorem, ministros sagrados, pelos que atentam contra a santidade de Deus! Chorem, ministros sagrados, pelos matrimônios destruídos de suas paróquias! Chorem, ministros sagrados, pelos filhos que, desobedecendo seus pais, atiraram-se numa vida de promiscuidade, drogas e leviandade! Chorem, ministros sagrados, pelos atentados contra a vida e pelo culto à morte de nossa sociedade! Chorem, ministros sagrados, pelas vítimas de maus tratos e de violência! Chorem, ministros sagrados, e peçam a Deus misericórdia!
Me lembro do Manípulo que antes fazia parte das vestes sacerdotais. Ele servia também para secar as lágrimas dos sacerdotes durante o sacrifício. Quantas vezes Padre Pio chorou! Choremos, irmãos Padres, em defesa da verdade do Evangelho. Choremos pela conversão do mundo a Deus. Choremos na esperança de que Deus perdoe o seu povo!
Padre Cristiano Sousa
Pároco – Paróquia Santa Cruz e N. Sra. Aparecida – Jd. Pres. Dutra