Durante este Tempo Pascal Deus nos permitiu viver acontecimentos especiais com a morte do saudoso Papa Francisco e a eleição e primícias do Pontificado de Leão XIV.
Naquela manhã de segunda-feira, 21 de abril, oitava da Páscoa fomos surpreendidos com a morte do Papa Francisco. O sentimento que experimentei foi surpresa até para mim mesmo, pois me senti órfão e ao mesmo tempo perguntando-me: para onde vou? Eu mesmo me censurava dizendo-me: o que é isso? Que apego desnecessário! As horas daquele dia foram passando e então fui diagnosticando em mim aquele sentimento.
É verdade: o Pontificado do Papa Franciso foi marcante para mim. Os desafios lançados desde as suas primeiras palavras como Papa, a Evangelii Gaudium (com uma linguagem diferente), as Encíclicas sociais, os Sínodos…Tudo isso sempre foi para mim um apelo à conversão pessoal e pastoral. Algumas coisas não entendiam “de primeira”, mas depois refletindo entendia que não era heresia, que estava em comunhão com a fé e Tradição da Igreja.
No entanto, aquele sentimento, no dia 21 de abril, não era somente algo afetivo, mas também efetivo. Tenho 17 anos de serviço episcopal, dos quais 12 sob o Pontificado de Francisco. Não fiquei com medo do futuro, absolutamente. Tratava-se de um momento que, apesar de continuar sendo Sucessor dos Apóstolos, o Colégio Episcopal, estava sem a sua Cabeça visível nesta terra. O Ministério do Sucessor de Pedro estava temporariamente ausente. Foi aquela sensação que o meu ministério episcopal não estava, diria, pleno.
De fato, nos ensina a Lumen Gentium, Constituição Dogmática do Concílio Vaticano II: “O Senhor Jesus, depois ter orado ao Pai, chamou a si os que ele quis e escolheu os doze para estarem com Ele e para os enviar a pregar o Reino de Deus (Cf Mc 3,13-10; Mt 10,1-42); a estes os constituiu apóstolos (cf. Lc 6,13) sob a forma de colégio, isto é, de grupo estável, cuja presidência entregou a Pedro, escolhido dentre eles. (cf Jo 21,15-17) (Lumen Gentium 19) Tal como, por disposição do Senhor, São Pedro e os demais apóstolos formam um só colégio apostólico, de maneira semelhante o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, e os bispos, sucessores dos apóstolos, estão unidos entre si. (…). Mas o colégio episcopal não tem autoridade, se nele não se considera incluído, como cabeça, o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, permanecendo sempre íntegro o seu poder primacial sobre todos, tanto pastores como fiéis.” (Lumen Gentium 22).
Para corroborar com esta doutrina explicitada no Vaticano II, temos a Exortação Apostólica “Pastores Gregis” de São João Paulo II, que foi publicada a partir do Sínodo dos Bispos sobre o serviço episcopal: “De igual modo, através da sucessão pessoal do Bispo de Roma ao bem-aventurado Pedro e de todos os bispos no seu conjunto aos apóstolos, o Romano Pontífice e os Bispos estão unidos entre si como um Colégio. (…) De fato, ele é (o bispo) constituído na plenitude do ministério episcopal pela consagração episcopal e pela comunhão hierárquica com a Cabeça do Colégio e com os membros, isto é, com o Colégio que sempre inclui sua Cabeça. (…). Porém, o afeto colegial só se realiza e exprime, de modo pleno, na ação colegial em sentido estrito, isto é, na ação de todos os Bispos unidos com a sua Cabeça pela qual exercem o poder pleno e supremo sobre toda a Igreja. Esta natureza colegial do ministério apostólico é querida pelo próprio Cristo. Por isso, o afeto colegial ou colegialidade afetiva vigora sempre entre os bispos como communio episcoporum e em alguns atos se exprime como colegialidade efetiva. (…). Princípio e fundamento desta unidade, tanto da Igreja como do Colégio dos Bispos, é o Romano Pontífice. (…) Cada Bispo – sempre em união com todos os irmãos no episcopado e com o Romano Pontífice – representa Cristo, Cabeça e Pastor da Igreja.”
(Pastores Gregis, 8)
Esta compreensão, existencial e sacramental, tornou-se para mim mais clara ainda, quando na tarde de 08 de maio, foi anunciada a eleição de Leão XIV. Naqueles momentos, antes mesmo do anúncio do eleito e do nome que ele havia escolhido, senti voltar aquela sensação do ministério “pleno”. Depois, sabendo quem era o eleito, sabendo um pouco da história, fui intuindo os caminhos de Deus na história. Não somente as suas primeiras palavras no balcão da Basílica de São Pedro, mas principalmente a sua homilia, na Sistina, com os cardeais, no dia 09 de maio, fizeram-me experimentar um sentimento de comunhão efetiva e afetiva.
Ainda que, após o assentimento à sua eleição, o Papa eleito, sendo já bispo, torna-se bispo de Roma, com tudo aquilo que está intimamente ligado a esta missão, a celebração de 18 de maio, “início do Pontificado”, é também cheia de significado nesta união afetiva e efetiva. “…a unidade da Igreja está radicada na unidade do episcopado, o qual, para ser uno, requer uma Cabeça do Colégio. De forma análogo a Igreja para ser una exige uma Igreja como Cabeça das Igreja, a de Roma, cujo bispo – sucessor de Pedro – é a Cabeça do Colégio. (…)O primado do bispo de Roma e o Colégio Episcopal são elementos próprios da Igreja universal, não derivados da particularidade das Igrejas, mas interiores a cada Igreja Particular. O fato de o ministério do Sucessor de Pedro ser interior a cada Igreja Particular é expressão necessária dessa fundamental e mútua interioridade entre Igreja universal e Igreja Particular.” (Pastores Gregis 56)
Então, todos os meus sentimentos como bispo, não são coisas que podem ser chamadas banalmente de sentimentais. Tratam-se de sentimentos que denotam uma realidade existencial e sacramental – ousaria dizer ôntica. Visto, ainda, que sou um bispo diocesano, toda a Igreja Particular de Guarulhos, deve unir-se a este sentimento, para estarmos plenamente na comunhão e unidade da Igreja.
Dom Edmilson Amador Caetano, O. Cist.
Bispo diocesano