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“O Senhor fez em mim maravilhas.” (Lc 1,49)

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"O Senhor fez em mim maravilhas." (Lc 1,49)

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Israel do Tribalismo à Monarquia

Com o declínio da dominação egípcia sobre a Palestina, no século XIII a.C., o sistema de tribos se afirmou até o século XI, quando então Israel passou da experiência tribal para a experiência com a monarquia.

Foi um processo lento e não tão simples como se pareça ser. De fato, entre as tribos de Israel já havia um certo desejo de imitar a monarquia dos reis cananeus (veja o desejo dos israelitas de elegerem Gedão como seu rei em Jz 8, 22 – 23, assim como o desejo de Abimelec de se fazer rei, como em Jz 9). Entretanto, podemos perceber que a monarquia não era benquista pelos setores tribais representados por Samuel (veja 1 Sm 8), que colocavam muitos pontos contra tal sistema de governo.

Por algum tempo, Israel, vivendo no sistema tribalista, apresentava essas características:

– o poder era descentralizado: tudo era decidido em Assembleias, como a Assembleia de Siquém (conforme Js 24)

– toda a produção era colocada em comum para todos num clã;

– observação estrita e rigorosa da Aliança desde a época de Moisés;

– o comando militar era realizado através de líderes carismáticos (juízes) que ocasionalmente se armavam, reuniam suas tropas e iam a combate;

– havia certa entreajuda entre as tribos, que ora se uniam contra um inimigo comum, ora se uniam para tomar decisões entre si.

Na época do tribalismo Israel teve a grande vantagem de encontrar os reis cananeus, vassalos do faraó, desprotegidos devido à crise interna do Egito, que não conseguia enviar tropas à Canaã para sufocar rebeliões dos chamados hapirus. Estes vinham das montanhas e combatiam os reis cananeus, mesmo nas planícies (Jz 4 – 5).

O uso do ferro aprendido com os quenitas e a caiação de poços trouxeram muitas vantagens para Israel se firmar e conquistar cidades cananeias.

Porém, alguns problemas surgiram no horizonte do Israel tribal:

         – invasões frequentes de filisteus e madianitas, que traziam tecnologias de guerra (os madianitas, o camelo e os filisteus o largo uso do ferro e a disciplina militar);

– Reis Cananeus que realizavam coalizões contra Israel: de fatos, ao lado dos reis cananeus que se uniam contra Israel ;

– Sincretismo, desvios e crise da fé e Idolatria: a religião dos cananeus era muito tentadora para os israelitas; muitos se desviaram facilmente da fé no Deus da Aliança (Jz 2, 11 – 15);

– Falta de unidade e coesão entre tribos/clãs: vemos este flagrante no Cântico de Débora (Jz 5); enquanto algumas tribos combatiam, outras tribos cada qual cuidava de seus problemas particulares;

– exército esporádico mostrava uma frágil defesa da terra, das famílias e do povo, enquanto os inimigos como os filisteus possuíam um exército bem organizado e disciplinado para combater contra Israel (1Sm 4), ao ponto de terem conseguido até mesmo capturar a Arca da Aliança e matar os filhos de Eli, Hofni e Fineias;

– relaxamento na vida de fé dos levitas e na vida familiar: imperava uma certa anomia, mesmo dentro das famílias e entre as tribos (Jz 19, 1 – 10)

– conflitos entre as tribos: a tribo de Benjamim, por exemplo, chegou a ser exterminada pelas outras tribos (Jz 20, 29 – 48).

         Esses problemas enfrentados pelas tribos de Israel irão provocar numa parte do povo o desejo de se constituir a Monarquia, ao modo dos reis cananeus com quem as tribos tiveram contato bélico ou cultural.

Mesmo contra seus princípios, Samuel, último juiz, acaba sendo intimado por Deus para ungir Saul como chefe (nagid) em Israel, dando assim todo o teor monárquico à figura de Saul, tornando-o o principal entre os israelitas.

Essa transição, como dissemos acima, não foi rápida, mas, com o tempo se tornaria irreversível, apesar dos esforços das lideranças do povo de Israel em manter certos valores da experiência tribal.

 

Pe. Éder Aparecido Monteiro – Vigário Paroquial – Paróquia Sta. Cruz Pres. Dutra

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Quatro Grupos, Quatro Tradições e uma só Fé

Hoje em dia os judeus formam um grupo racial homogêneo, ligado à linhagem de sangue e preocupados com sua unidade racial e religiosa. Entretanto, o povo de Deus do Antigo Testamento foi formado pela união de quatro grupos distintos:

Mosaico: grupo dos ex-escravos do Egito; sobressaiu-se sobre os outros (hegemonia); chegaram em 1200 a.E.C. em Canaã, instalando-se nas montanhas;

– Sinaítico/beduínos: associou-se ao Grupo Mosaico no deserto do Sinai (grupo de Raguel/Jetro, sogro de Moisés – ver Ex 18, 1-27). Pertenciam a grupos nômades do Oriente e eram originários de Seir e Edom

Nômades (Abraâmico): remanescentes dos patriarcas, itinerantes arameus, que viviam nas estepes, desertos e montanhas;

– Hapirus: camponeses escravos fugitivos, rebeldes e excluídos das cidades-estado cananéias; viviam nas montanhas e estepes da Palestina. Às vezes, aparecem como um bando de homens e mulheres que vendem sua liberdade, colocando-se a serviço dos reis das cidades-estado, ora como bandos armados e hostis aos reis de Canaã e, portanto, ao Faraó. Constitui-se uma classe social em meio a diversos povo e não uma etnia. Sendo camponeses escravos fugitivos ou excluídos das cidades-estado, saqueavam territórios de reis cananeus. Da palavra hapirus se originou a palavra hebreus (descendentes de Heber, antepassado de Abraão (ver Gn 10, 24).

Esses grupos se miscigenaram entre si e formaram o antigo Israel da Bíblia, unindo suas histórias, tradições e elementos da fé. Ex: o sacrifício de animais vem da tradição dos pastores (grupo abraâmico), as tradições do Êxodo vêm do grupo mosaico 9que se tornou hegemônico) e a adoração a um único Deus (monoteísmo) veio do grupo sinaítico.

Do mesmo modo, ao lermos os textos bíblicos do Antigo Testamento, acreditamos terem sido escritos de uma só vez. A formação de cada texto do Antigo Testamento demorou muito tempo para que chegássemos ao texto final que lemos hoje.

Temos três etapas básicas para a formação de um texto bíblico:

fase dos fatos: o cenário histórico e o contexto de cada fato narrado, fruto de acontecimentos;

– fase oral: as informações sobre os fatos fundamentais da história do povo eram contadas de geração em geração de forma oral; neste processo, havia um “filtro” que selecionava os fatos principais e mais importantes;

– fase redacional (escrita): nesta etapa, os textos começam a ser escritos, mas também selecionados por um “filtro” que estabelecerá os escritos mais importantes para a fé do povo; surgem textos provisórios, que, depois sofrerão acréscimos ou supressões até o texto final, que lemos hoje.

 

Com isso, podermos começar a entender a origem dos escritos bíblicos, que compreende basicamente quatro tradições literárias, desenvolvidas ao longo do tempo, cuja redação final se deu no período pós-exílico (538 – 320 a. C.).

É importante compreender que a consolidação e união das quatro tradições se deu no  Pentateuco e em alguns Livros Históricos do Antigo Testamento. Por isso, o Pentateuco sofre acréscimos, ampliações, reinterpretações e repetições até sua redação final.

As quatro tradições literárias são: a Javista, a Eloísta, a Deuteronomista e a Sacerdotal.

 

TRADIÇÃO JAVISTA(J): remonta do ano 1000 a.C.; surge no Sul (Judá); coloca interesse maior nos patriarcas, de modo especial em Abraão; episódios marcantes: Adão e Eva, Abel e Caim, Dilúvio, Torre de Babel, Sodoma e Gomorra, etc.; uso do nome JAVÉ, como se fosse o nome mais antigo de Deus; no auge da monarquia davídica, faz-se a redação das tradições sobre Abraão em Hebron/Judá: ver Gn 13, 14 – 18; 18 – 19; destaca-se a ação heróica de Judá na história de José: 37, 26; 43, 1 – 2;  em Gn 38 apresenta a genealogia de Davi; defesa da monarquia (Gn 49, 8 – 12; Nm 24, 7.17); importância dada às mulheres e preferência pelos pequenos(caçula); desprezo pelos cananeus e promessas a Abraão.

 

TRADIÇÃO ELOÍSTA(E): No ano 900 a.C., surge no Norte (Israel); seu interesse maior é o tema Aliança; diferenças “acidentais” em relação a J = o essencial é quase o mesmo (mesma fé, patriarcas, etc); evidência maior: José e Raquel(mãe); santuários: Siquém e Betel;

uso da palavra Elohim para falar de Deus; Horeb para falar do Monte Sinai; Jetro (sogro de Moisés, em vez de Raguel ou Hobab, como em J); estilo popular e incisivo; evita antropomorfismo: Deus é “mais distante” do ser humano; referência maior ao Profetismo (Gn 20, 7; Ex 15, 20; Moisés)

 

TRADIÇÃO DEUTERONOMISTA(D): Surge no na de 722 a.C. – questões: a terra e a monarquia; não foi fundido a J e E – apenas justaposta; apresenta um código legislativo e pregações atribuídas a Moisés (sermões); o livro do Deuteronômio funciona como apêndice (conclusão) do Pentateuco; anuncia o amor de Deus através da história de Israel e a Aliança – idéia implícita em toda a JEP.

 

TRADIÇÃO SACERDOTAL(P): Surgiu durante o Exílio da Babilônia (587 – 538 a.C); interesse nos temas: leis, genealogias, cifras, etc.; ênfase maior na Lei e Liturgia, de linha legalista e litúrgica (ver Levítico); idéia transcendente de Deus; estilo obscuro, redundante e abstrato; fundiu as três tradições (J, E e P) numa só obra literária; aproveitou bem o status de redator final; (Ex 25 – Nm 10 +Lv); acréscimos: Nm 13, 15; 17 – 19; 25 – 31; 33 – 36)= 87 capítulos!!!; deixou-nos alguns Salmos: 19, 8 – 15; 85; 96 – 98; 113; 116; 118; 119.

 

Pe. Éder Aparecido Monteiro – Vigário Paroquial – Paróquia Sta. Cruz Pres. Dutra

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Juízes: Fé e Luta pela Vida

Assim foram chamadas certas personagens insignes que, depois da morte de Josué até à constituição do reino – isto é, desde o século XII ao XI a.C. – libertaram, em várias circunstâncias, o povo de Israel dos inimigos.

Não formaram uma série ininterrupta, mas eram chamados pelo Senhor segundo as necessidades. Eram uma espécie de “líderes” que, cumprida a missão libertadora, continuavam a exercer autoridade sobre o povo pelo resto da vida. Não dominavam sobre todo o povo, mas só nas tribos que libertavam do inimigo; desta forma não é impossível que alguns juízes exercitassem ao mesmo tempo sua função.

O livro dos juízes narra as empresas desses beneméritos libertadores do povo eleito. Em vez de uma história propriamente dita, da época, é uma coleção de memórias dos diversos heróis. São doze ao todo, classificados em maiores e menores, não tanto pela diferente importância dos empreendimentos e dos heróis, quanto pelo modo de serem apresentados. Dos menores, o autor contenta-se com citar o nome, alguma notícia da família, a duração de sua atividade e o lugar da sepultura, sem especificar o empreendimento; ao passo que dos maiores narra a história com mais particularidades, segundo um esquema fixo, que comporta quatro momentos: o pecado do povo (práticas idolátricas), o castigo (dominação estrangeira), o arrependimento e a libertação por obra de um juiz.

Esse esquema está em perfeita harmonia com o pensamento dominante (2, 11 – 19) da introdução especial (2, 6 – 3, 6) ao corpo do livro, que defende a tese segundo a qual Israel foi feliz enquanto se manteve fiel ao Senhor, e infeliz quando se apartou dele. Com isto dá-nos a conhecer a finalidade do autor: afastar eficazmente os israelitas do culto idolátrico.

Destarte o corpo da obra resulta composto, com sua própria introdução, à qual foi anteposta outra introdução geral (1, 1 – 2, 5) e foram acrescentados dois apêndices (17 – 18 e 19 – 22).

Não é fácil precisar a data dos dois fatos narrados nesses apêndices; há, contudo, razões sérias para admitir que ambos se deram nos primeiros tempos dos juízes, pois no episódio dos danitas aparece como sacerdote um neto de Moisés (Jz 18, 30) e um neto de Aarão é contemporâneo de outro episódio. A cronologia do corpo do livro é uma das dificuldades mais laboriosas que possam ocupar os intérpretes e entre as soluções propostas não há nenhuma que satisfaça plenamente. Como quer que seja, sem entrar em discussões inúteis, basta recordar que segundo (1Rs 6, 1), entre o Êxodo e a construção do templo (4° ano do reinado de Salomão) passaram 480 anos. Portanto, se desse número subtrairmos 4 anos de Salomão, 40 de Davi e outros tantos de Saul (At 13, 21), e ainda 70 anos que decorreram desde o Êxodo à primeira opressão, restariam ainda 330 anos para o período dos juízes. Esse resultado estaria suficientemente de acordo com o que disse Jefté ao rei de Amon (11, 26). Somando-se, porém, todos os tempos das opressões e os dos domínios dos juízes, obtêm-se 410 anos. Deve-se, portanto, admitir que o autor relatou números aproximados.

A parte principal (2, 6 – 16, 31) é obra de um só autor, como prova o esquema delineado e fielmente seguido em toda a narração. O autor, porém, não podia ter sido testemunha de tudo o que narra, já que sua história abrange um período de quase dois séculos. Serviu-se, portanto, de documentos preexistentes e de tradições orais. A sua fidelidade às várias fontes se manifesta na concisão com que narra fatos de máxima importância e que um escritor menos escrupuloso teria ampliado a seu bel-prazer.

Quando foi composto o livro? Com boa verossimilhança pode-se crer que foi nos primeiros anos do reinado de Saul. Com efeito, quatro vezes observa-se nos apêndices que os inconvenientes narrados aconteceram quando “em Israel não havia rei e cada um fazia o que lhe agradava.” Tal coisa só podia ter sido escrita nos primeiros tempos da monarquia, quando se gozava dos seus bons efeitos e ainda não pesavam gravames que sobreviriam mais tarde.

Portanto, os juízes se constituíram lideranças carismáticas, cuja função era função: julgar, liderar, guerrear, aconselhar

Estabeleceram uma ocupação gradual das terras de Canaã através da  coalizão entre tribos e grupos diferentes para auto-defesa/solidariedade;

Interessante notar que  o livro ignora totalmente o protagonismo de Josué na ocupação das terras de Canaã.

Principais juízes: Otoniel e Aod (3, 7 – 11 e 12 – 30) Débora (4, 4s), Barac, Jael, Gedeão(6, 11 – 24), Jefté(12, 7), Sansão(13, 1 – 16, 31).

Das montanhas, clãs de Hebreus descem à planície;

Jz 1, 1 – 21: fala das tribos do Sul (Judá e Simeão) – e de alguns grupos menores (Caleb, Otoniel, quenitas e outros)

Jz 1, 22 – 26: menciona a casa de José, que toma Betel de forma triçoeira.

Jz 1, 27 – 36: lista de cidades  que os israelitas não conseguiram conquistar.

As informações de Jz é a chave de leitura histórica para entender a ocupação de Canaã; o livro não oculta os conflitos entre algumas tribos (ex.: Jz 19, 1 – 20, 48)

A proposta de vida era a distribuição justa de terras conquistadas; a fé no Deus único, Deus da Aliança numa Fidelidade conforme a dinâmica de Abraão e de Moisés;

Os juízes conseguiram a Organização de ocasionais exércitos para a defesa contra os inimigos internos (reis cananeus e grupos dissidentes) e inimigos externos (como os filisteus, madianitas, hititas, etc).

As Decisões fundamentais eram decididas em assembleias. Destaque: Assembleia de Siquém (ver Js 24 = Jz 20).

 

Pe. Éder Aparecido Monteiro – Vigário Paroquial – Paróquia Sta. Cruz Pres. Dutra