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“O Senhor fez em mim maravilhas.” (Lc 1,49)

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Uma Igreja Sinodal em Missão

No último dia 28 de outubro foi encerrada a primeira sessão do Sínodo dos Bispos sobre a sinodalidade: comunhão participação e missão. No mesmo dia 28 de outubro foi publicado um RELATÓRIO SÍNTESE, UMA IGREJA SINODAL EM MISSÃO, da primeira sessão desta XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos. Não se trata de um documento conclusivo, mas fiel ao espírito proposto neste Sínodo, torna-se manifesto alguns pontos discernidos que precisam ser aprofundados. De fato, o documento dividido em três partes (1. O rosto da Igreja Sinodal 2. Todos os discípulos, todos missionários 3. Tecer laços, construir comunidade) distribuídas em 20 tópicos, apresenta para cada tópico Convergências, Questões a aprofundar e Propostas.

Não me julgo capaz de fazer um comentário teológico-pastoral sobre os resultados desta primeira sessão, mas quero, aqui, partilhar algumas coisas que me tocaram e amadurecem-me no caminhar numa Igreja Sinodal.

Já no Documento Preparatório de 2021, a retomada da Igreja Povo de Deus, fiel ao espírito do capítulo segundo da Lumen Gentium, destacando aquilo que nos faz membros deste povo (um só batismo e um só e mesmo Espírito) e que é de importância capital, sem subestimar os dons, carismas e serviços à missão deste povo no mundo, nos preparava para o primeiro grande momento da ESCUTA. Escutar faz parte da espiritualidade de comunhão, sem a qual não se pode falar em sinodalidade. A Igreja, ainda que assim o pareça, não possui na sua natureza uma estrutura piramidal. Se quisermos aplicar-lhe uma forma geométrica, poderíamos dizer circular, onde todos têm sua participação e possuem dons e carismas específicos de serviço. Todos pudemos observar a disposição da Aula Sínodal em vários círculos de reflexão nas sessões plenárias.

Como bispo ao contemplar estas coisas não me sinto desvalorizado, pois a valorização da Igreja, Povo de Deus, dá sentido ao serviço para o qual fui escolhido estando na Igreja.  Sinto também que, assim como o capítulo segundo da Lumen Gentium foi retomado com vigor, não com menos vigor e veracidade foi retomado o capítulo terceiro da Constituição Dogmática Lumen Gentium: A Constituição Hierárquica da Igreja. Interessante que dentre as Convergências, questões a serem aprofundadas e propostas, aparece a necessidade de estabelecer as características de sinodalidade e colegialidade. Aparecem também indicações para que sejam estabelecidas relações e distinções entre uma Assembleia Sinodal e uma Assembleia Eclesial.

Voltando à temática da ESCUTA, nestes dias da Assembleia Sinodal apareceu um termo iluminado e que precisa ser mais explicitado: a conversação no Espírito. A Palavra de Deus e a oração de coração sincero, abrem o nosso ser para escutar o outro, compreendê-lo e discernir de que modo o Espírito Santo fala nele. Esta conversação entendo como algo dinâmico, interior e de conversão. Ainda que não concorde com o outro, ainda que o outro no seu modo de pensar e agir não esteja de acordo com a fé da Igreja, é preciso compreender o que realmente o outro sente.

Uma Igreja Sinodal é uma Igreja que, sem trair a sua natureza e missão, coloca-se num processo transformador pela ação do Espírito. A terceira parte do Relatório, Tecer laços, construir comunidade, é desafiadora, pois aborda perspectivas que me desafiam e deixam-me incomodado. Difícil para mim ser pastor na orientação dos missionários digitais e conduzir com maestria um discernimento eclesial e dar respostas exatas a questões abertas.  Se estamos num processo que se desenrola na história, nem tudo terá resposta satisfatória ou mesmo conclusiva com a segunda sessão do Sínodo.

Até mesmo após a conclusão deste Sínodo precisaremos de tempo e espaço para desenvolvermos caminhadas sinodais. Os anos da minha vida estão contados para Deus. Não sei se fará parte da minha missão conduzir todos os processos. Hoje estamos aqui, neste momento histórico salvífico, e necessitamos deixarmo-nos conduzir pelo Espírito. Cada um de nós é chamado por Deus para um serviço específico na Igreja. Ensina-nos Jesus que, como servos, devemos dizer após a missão ser concluída: “somos servos inúteis, fizemos somente o que deveríamos ter feito.”

Reproduzo aqui um trecho profundo e inspirador do Relatório, no seu epílogo, “Para prosseguir o Caminho”: “Como será isso?”, perguntava-se Maria em Nazaré (Lc 1,34) depois de ter escutado a Palavra. A resposta é apenas uma: ficar à sombra do Espírito e deixar-se envolver pelo seu poder… Adsumus Sancte Spiritus,”

 

Dom Edmilson Amador Caetano, O. Cist. – Bispo diocesano

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Leigas e Leigos “nem cá, nem lá”

Estamos vivendo os últimos dias do III Ano Vocacional no Brasil, “Vocação: Graça e Missão – Corações ardentes pés a caminho”. No mês de novembro, de modo especial, recordamos a vocação laical. Entre as solenidades de Cristo Rei 2017-2018, vivemos no Brasil o Ano do Laicato, animado pelas reflexões do documento 2015 da CNBB: Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na sociedade – Sal da terra e luz do mundo.

Prestes a terminar o Ano do Laicato – não me recordo quem –pediram-me para escrever algo sobre o legado do Ano Laicato. Abaixo segue um trecho do que escrevi.

A primeira coisa a destacar é a conscientização e reflexão sobre a vocação laical. O documento 105 da CNBB não trouxe novidades teológicas, e nem poderia. No entanto, os vários eventos nas dioceses trouxeram consigo a afirmação – talvez um pouco esquecida – que ser leigo e leiga na Igreja, não é uma “sub vocação”, mas uma vocação plena e autônoma como a vocação aos ministérios ordenados e à vida consagrada. O grande relevo que o documento 105 da CNBB dá à vocação laical – relevo, não novidade – é o leigo como sujeito eclesial. A tradicional regra gramatical nos ensina que sujeito é aquele que pratica a ação. A vocação laical não é passividade, mas atuação concreta e própria na obra da evangelização. Esta é a missão da Igreja. Leigos e leigas, ministros ordenados, consagrados e consagradas, todos somos sujeitos eclesiais que, dentro do nosso âmbito vocacional, somos chamados atuar concretamente na obra da evangelização, com a autonomia – não independência arbitrária – que se manifesta numa verdadeira espiritualidade de comunhão e participação.

                Ligado a este primeiro ponto fundamental está a responsabilidade dos vocacionados leigos e leigas na obra evangelizadora da Igreja.  Como sujeitos eclesiais, necessitam (ou melhor, a missão da Igreja necessita) participar ativamente nos vários âmbitos da comunhão eclesial. (cf. Doc 105 CNBB 136-160)

                O Ano do Laicato, na sua reflexão teológica, colocou em foco o específico da vocação laical: a sua índole secular. De modo particular, é no mundo que os leigos devem vivenciar a ação transformadora do evangelho. A presença da identidade cristã católica precisa incrementar a sua presença profética e evangelizadora em tantos âmbitos da nossa sociedade e nos modernos areópagos. (cf. Doc 105 CNBB 241-273.) A organização do laicato com os Conselhos de Leigos ou algo similar, deveria ajudar no diálogo com as realidades da sociedade e ação transformadora na sociedade. Trata-se de uma presença profética.

Por último, não exatamente em último lugar, este Ano deixa como legado o sentimento da necessidade da formação espiritual, catequética, teológica e específica para os vários âmbitos e “areópagos modernos”. Tanto para a ação transformadora no âmbito eclesial, como no mundo é necessário formar-se.  É preciso caminhar para um aprimoramento na formação do laicato. Não podemos simplesmente ser uma “Igreja em saída”. Temos que sair com uma identidade, estar presente no mundo com o odor de Cristo.

Um legado importante para a nossa diocese do Ano do Laicato foi a formação do Conselho Nacional de Leigos – CNLB Guarulhos, que tem promovido, especialmente, a formação para a missão da vocação laical na sociedade.

Entretanto, aproximando-se da solenidade de Cristo Rei, dia de celebrar a vocação laical, percebo um desinteresse dos leigos – sem generalizar, por favor – na missão ad intra e ad extra em nossas comunidades. Entre a pandemia e o período pós pandemia, foram sendo manifestados abandono em muitas comunidades dos ministérios exercidos com tanto vigor anteriormente. É verdade que pandemia nos desestruturou em tantos aspectos, mas a fé que vence o mundo sempre nos coloca em pé, quando a buscamos como força no caminhar.

Temos vários leigos “nem nem”. Alguns resolveram “dar um tempo” simplesmente na missão assumida em força do batismo e diante de Deus nos ministérios laicais importantes para a obra da evangelização. Até mesmo nas celebrações dominicais aumentou o absenteísmo. E o que dizer dos momentos formativos para o exercício dos ministérios dentro das comunidades? Os grupos de rua esvaziaram-se. Temos irmãos e irmãs que estão assumindo várias missões nas comunidades em virtude da omissão dos chamados e capacitados que estão “dando um tempo”. Estes são os leigos e leigas “nem cá”.

As formações do CNLB Guarulhos, que tanto tem trabalhado para a vivência da índole secular da vocação laical, têm tido pouca adesão.  Alguns, para não dizer muitos, dos agentes das pastorais sociais – que manifestam um aspecto preponderante da Igreja em saída – abandonaram o seu trabalho e a formação. Em várias paróquias várias pastorais sociais que existiam antes da pandemia, deixaram de existir. Tenho certeza de que estes irmãos e irmãs buscam viver no mundo conforme os valores do evangelho, mas vão aos poucos perdendo a identidade eclesial. Estes são os leigos e leigas “nem lá”.

Este não é uma bronca de pastor. Trata-se de uma reflexão que brota de mim após passar alguns dias pensando sobre o que escrever neste mês para a Folha Diocesana.

Dom Edmilson Amador Caetano, O. Cist.Bispo diocesano

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A Avaliação Moral do Aborto

Como todos sabem de 01 a 08 de outubro celebramos a SEMANA DA VIDA. Quero propor para a reflexão de todos um artigo de D. Pedro Carlos Cipolini, bispo diocesano de Santo André. Certamente ajuda a refletir sobre o julgamento da ADPF 442 que está prestes a ser “julgada”.

A polêmica sobre o aborto é grande na sociedade. A favor ou contra? Permitido ou não? Legaliza-se sua prática ou não? Do ponto de vista social o aborto é um flagelo, pela enormidade dos males que causa à sociedade. Quem já ouviu o depoimento de uma mãe que abortou e se arrependeu, sabe do que se trata. É uma chaga oculta por onde se esvai um precioso potencial de vida, especialmente nas sociedades, nas quais diminui drasticamente o número de crianças.

Não falo aqui do aborto do ponto de vista religioso, mas antropológico. É uma questão humanitária que não pode considerar os direitos somente dos mais fortes, os adultos envolvidos, mas dos mais fracos, os fetos que perguntam: por que matar quem tem direito à vida?

 Do ponto de vista moral, o aborto é um atentado contra a vida de um ser humano, vivendo ainda na dependência do organismo materno (encarregado de formá-lo e protegê-lo, constituindo, porém, já um ser autônomo), com uma lei peculiar à sua evolução. Dentre os crimes contra a vida, o aborto provocado apresenta características que o tornam abjurável. Isto é reconhecido por 90% da população brasileira, segundo pesquisa Data/Folha.

Desta forma, as propostas de certos grupos da sociedade para legalizar o aborto não estão em sintonia com a democracia, que deve levar em conta a vontade da maioria. São grupos de interesses, revestidos de argumentos que não se sustentam diante da mais elementar consciência humana, não subjugada por ideologias. Diante do direito à vida, nenhum legislador pode se arvorar em “Deus” para decretar a morte de inocentes e indefesos.

Além do valor intrínseco como membro da espécie humana, o feto não teria nenhum outro direito? Seria um feto humano, inferior aos fetos das tartarugas marinhas, protegidos por lei antes de saírem do ovo, antes de nascerem? O Império Romano concedia à pátria potestas, o direito do infanticídio, do abandono das crianças, venda dos filhos como escravos e do aborto. Na mentalidade do mundo greco-romano, somente o cidadão livre é sujeito do direito: não o escravo nem a criança.

Parece-nos que, após um progresso significativo, uma evolução do Direito, estamos involuindo, ao perder a percepção da gravidade e criminalidade do aborto. A aceitação do aborto na mentalidade, costumes e na própria lei é sinal de uma crise do sentido moral, que se torna cada vez mais incapaz de distinguir o bem do mal, mesmo quando está em jogo o direito fundamental à vida: “Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem, chamam mal, os que tem as trevas por luz e a luz por trevas” (Is 5,20).

 Todo ser humano, inclusive o feto, tem direito à vida que lhe vem imediatamente do Criador, não dos pais nem de qualquer autoridade humana. O ser humano é chamado a colaborar com o Criador na transmissão da vida, mas não é o senhor da vida. Não existe ademais uma pessoa humana com título válido ou indicação suficiente para uma disposição deliberada sobre uma vida inocente. Apenas se justifica o aborto não provocado ou espontâneo, independente da vontade humana.

Dados científicos, interesses políticos e econômicos, correntes filosóficas e morais com ideias equivocadas de liberdade, que inclui a eliminação do outro, soberba dos legisladores, que se arvoram em senhores da vida ou da morte, como se fossem Deuses, tudo isto vai aos poucos incutindo na sociedade o projeto de uma “sociedade abortista”.

 Numa sociedade que legisla a morte de inocentes e crianças, aos poucos se chega a legislar a morte dos idosos, depois a legislar a morte dos doentes incuráveis, dos inúteis ao Mercado etc. É urgente a “humanização” baseada na importância de toda vida humana e que dá o mesmo valor a todo ser humano desde seu início a seu fim natural.”

+D. Pedro Carlos Cipolini

Bispo diocesano de Santo André

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Fomos chamados à Santidade

Fomos chamados a ser plenos em Deus. Fomos chamados à santidade: “Em Cristo Ele nos escolheu…para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor. Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por Jesus Cristo.” (Ef 1,4-5). Ser escolhido, ser predestinado à santidade, eis aí a nossa vocação. Através da filiação divina (adotiva) em Cristo, do mesmo Cristo somos revestidos e o mesmo Cristo é fonte e modelo da nossa vocação. O chamado à santidade não nos isola do mundo, nem dos problemas e muito menos dos combates que temos de vivenciar contra tudo aquilo que nos afasta desta vocação substancial a cada um de nós, discípulos de Jesus, seja qual for a nossa vocação específica.

A carta aos Efésios, que se abre com um belo hino que proclama a grandiosidade e gratuidade do amor de Deus para conosco e a nossa vocação à santidade, é objeto de reflexão do mês da Bíblia de 2023, conforme proposição da CNBB. Quero, aqui, de maneira simples, propor quase que uma leitura orante de Ef 6,10-18.

O combate espiritual, que não é nada alienante, nos faz perceber a força que temos em Cristo e garante a vivência da nossa vocação à santidade. “Revesti a armadura de Deus para poderdes resistir às insídias do diabo. Pois nosso combate não é contra o sangue nem a carne, mas contra os principados, contra as autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, conta os espíritos do mal, que povoam as regiões celestes. Por isso deveis vestir a armadura de Deus, para poderdes resistir no dia mau e sair firmes do combate.” (Ef 6,11-13)

Revestir-se da armadura de Deus é revestir-se de Cristo, o rebento de Jessé, como nos descreve o Profeta Isaías: “Julgará os fracos com justiça, com equidade pronunciará sentença em favor dos pobres da terra. Ele ferirá a terra com o bastão da sua boca e com o sopro de seus lábios matará o ímpio. A justiça será o cinto dos seus lombos e a fidelidade o cinto de seus rins.”  (Is 11,4-5). Portanto, o combate espiritual não é alienante. O que “mata” o malvado é ter na boca o sopro do Espírito. O cinto nos lombos é estar revestido de justiça e equilíbrio. Na verdade, a couraça da justiça sobre os ombros, é a justiça da Cruz, que não paga o mal com o mal, mas compromete-se em carregar a maldade do mundo de maneira redentora.  O cinto nos rins é a fidelidade de quem não se deixa levar pelas paixões. As paixões deturpam a verdade. A verdade é racional e existencial. As paixões são “loucas”. Nem sempre o que eu sinto está em acordo com a verdade.  “Ponde-vos de pé e cingi os rins com a verdade e revesti-vos da couraça da justiça.”  (Ef 6,14)

“Calçai os pés com o zelo para propagar o evangelho da paz, empunhando sempre o escudo da fé, com o qual podeis extinguir os dardos inflamados do Maligno.” (Ef 6,15-16) Propagar o evangelho não é somente um empenho missionário de anúncio, mas também de testemunho concreto e radical no seguimento de Jesus. Isso se dá em momentos específicos missionários e pastorais, mas também no cotidiano. Para tanto precisamos estar alicerçados na fé que recebemos da Igreja. O que não está aí contido, são dardos inflamados do Maligno. O que fazem tais dardos? Enganam e enganam muito bem, criando confusão em nós mesmos e no ambiente em que devemos propagar o evangelho da paz. Para empunhar o escuda da fé, é preciso a virtude da vigilância (justiça, piedade, temperança).  “Sede sóbrios e vigilantes! Eis que o vosso adversário, o diabo, vos rodeia como leão a rugir, procurando a quem devorar. Resisti-lhe firmes na fé, sabendo que a mesma espécie de sofrimento atinge os vossos irmãos espalhados pelo mundo.”  (1Pd 5,8-9)

“E tomai o capacete da salvação e a espada do Espírito que é a Palavra de Deus.” (Ef 6,17). O capacete protege cabeça. “Sede prudentes como a serpente”, a prudência da serpente é proteger a cabeça para não ser destruída. Nossa cabeça é Cristo. Defender a nossa fé, é proteger a nossa cabeça. Tantas coisas querem “fazer a nossa cabeça”, desviando-nos do caminho da fé. É preciso proteger a cabeça lutando com a espada do Espírito, a Palavra de Deus. Não são os nossos pobres argumentos que defendem a fé, mas aqueles que brotam da Palavra da Revelação de Deus na sua plenitude que é Jesus Cristo.

Na entrega do Símbolo da fé (Creio) aos catecúmenos, exorta São Cirilo de Jerusalém:  

“Abraça, cuidadoso, unicamente a fé que agora a Igreja te entrega para aprende-la e confessá-la, protegida pelos muros da Escritura…para eu não pereçam por ignorância, encerramos nos poucos versículos  do símbolo todo dogma da fé. Exorto-te a tê-lo como viático durante a vida inteira e não admitir nenhum outro mais…este resumo da fé foi selecionado dentre toda a Escritura…este Símbolo em poucas palavras encerra como num seio materno o conhecimento de toda a religião contida no Antigo e no Novo Testamento…Agora te foi dado o tesouro da vida”.

(S. Cirilo de Jerusalém Catequese 5 De fide et Symbolo)

Neste combate, na busca e vivência da santidade, deixemo-nos conduzir pela Palavra.

Dom Edmilson Amador Caetano, O. CistBispo Diocesano

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Vocação de ser Família

Dentre todas as vocações que recordamos no mês vocacional está a vocação matrimonial, a vocação de ser família. Na segunda de agosto vivenciamos a Semana Nacional da Família.  O matrimônio – primeira vocação humana que aparece na Bíblia – é graça e, para o cristão, é também missão. Inerente à vocação matrimonial está a vocação do ser família.  Em algumas realidades familiares cristãs, por vários motivos, não se faz presente o Sacramento do Matrimônio. Isso não anula a missão de ser família conforme os valores do Reino dos Céus.

Dentre os vários aspectos da missão de ser família, está a educação na fé dos filhos, das crianças e dos jovens que pertencem à família. O testemunho dos avós também está incluído nesta missão.

A educação na fé dos filhos, crianças e jovens da família é concomitante com a formação dada por outros setores da sociedade, como a escola. Temos enfrentado na educação familiar, muitas vezes, o contraste dos valores da fé cristã que brota do Evangelho de Jesus Cristo, com os valores apresentados pela escola e pela sociedade: consumismo, ideologia de gênero, questões sobre a sexualidade, tais como LGBT (e toda a gama de siglas), contracepção, aborto, ataques à própria instituição familiar etc. Não se trata de atacar as pessoas que pensam e vivem diferentemente dos valores cristãos. O respeito e a acolhida às pessoas é início para um diálogo fraterno. Por outro lado, temos também a liberdade de expressar o que sentimos e cremos.

A formação intelectual das crianças e jovens é importantíssima para o serviço à sociedade. Não pode ser dispensada. No entanto, é necessário que os educadores na família tenham uma participação ativa dentro da escola. É verdade, tantas ideologias propagadas parecem sufocar a educação que é dada nos lares cristãos. Os pais e educadores sentem-se fracos e fracassados. Até mesmo os professores cristãos sentem-se oprimidos por quase serem forçados a dizer aos alunos pareceres que são contrários às suas próprias consciências.

Que postura tomar?

A pontualidade de cada aspecto mereceria aqui várias abordagens. Não é o caso agora de fazê-lo. Entretanto, como bispo, não é a minha missão ser educador familiar. É, sim, minha missão, recordar a missão de ser família neste aspecto da educação na fé e chamar a família cristã a exercer nesta nossa sociedade a profecia, o anúncio da verdade dos valores do Reino dos céus.

O profeta não é aceito. O profeta é rejeitado. O profeta é apedrejado. Apesar disso tudo, ele é presença de Deus. Pais e educadores, não tenham medo de combater pela fé na educação dos valores do Reino dos Céus!

Pode-se pensar na escola católica como um valor presente na sociedade. No entanto, ela precisa mesmo ser profética, ainda que, por não acolher diretrizes, possa vir a ser fechada.
A Escola Católica é e deve ser confessional.  É preciso participar das questões da escola pública com voz profética, ainda que se passe por ridicularizações e retaliações.

Alguns irmãos e irmãs de nossa diocese (tenho notícias aqui e ali) estão buscando até outras cidades para que os educandos da família possam ter outro ambiente formativo mais condizente com os valores do Evangelho. A maioria das nossas famílias não tem condições desta tomada de atitude. A grande parte das famílias têm os educandos na escola pública.

Outros estão buscando as alternativas de “homeschooling”. Particularmente, sou de parecer que isso é fugir do combate cristão. Filhos, crianças e jovens precisam aprender a viver os valores da fé na sociedade e não isolando-se dela.

Ainda que minhas palavras aos pais e educadores na família possam ser aqui confusas e pobres, exorto a que combatam o combate da fé.

 

Dom Edmilson Amador Caetano, O. Cist.Bispo diocesano

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O Amor de Deus por nós!

“Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados.” (1Jo 4,10)

 

A manifestação do amor de Deus é patente em vários aspectos na vida humana. O chamado de Deus a nós, vocacionados, é uma manifestação especial. É gratuidade. É graça.

Se cada um de nós, chamados a estar (no) e ser Povo de Deus, pensasse seriamente nas próprias tendências, más inclinações, paixões etc., veria que não possui méritos pessoais para fazer parte de tão grande missão do amor de Deus no mundo. Deus nos amou por primeiro.

Se cada um de nós, chamados a estar (no) e ser Povo de Deus, olhasse ao redor e, sinceramente, comprovasse que temos semelhantes, nas tendências e inclinações, bem mais virtuosos que nós e que não foram vocacionados a estar (no) e ser Povo de Deus, descobriríamos o mistério da eleição de Deus por nós: Graça.

Se cada um de nós, chamados a estar (no) e ser Povo de Deus, não olhasse a própria existência como algo coincidente e natural, ou seja, dizendo “estou na Igreja pois assim quis, pois nasci numa família católica…”, descobriria que, ainda que não tenhamos elementos para dizer qual o motivo da eleição de Deus sobre nós, somos escolhidos, e na gratuidade, louvaria a Deus por esta escolha e a luz que ela nos dá. Não somos melhores que os nossos semelhantes, é verdade. No entanto, somos portadores de um chamado, de uma graça que somente Deus sabe o porquê. “Ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelar.” (cf. Mt 25)

Se cada um de nós, vocacionados a estar (no) e ser Povo de Deus, refletisse e contemplasse a grandeza do amor Deus, que “não precisando” nos amar, prefere amar, porque Ele é amor e manifesta seu amor à humanidade por ele criada, numa dimensão redentora que, aos olhos humanos, chega a ser escandalosa, – pois “quando éramos fracos Cristo morreu pelos ímpios…a prova que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando ainda éramos pecadores.”(cf. Rm 5,6.8),  – sentiria o coração traspassado, como os ouvintes da primeira pregação da Igreja, no dia de Pentecostes. (cf. At 2)

Se cada um de nós, chamados a estar (no) e ser Povo de Deus, fosse sincero consigo mesmo, reconhecesse os próprios pecados e infidelidades, contemplaria a fidelidade de Deus, vendo que as promessas dele são mantidas, não obstante nossos inúmeros pecados e infidelidades. Quem ainda tem mais tempo de vida (idade), se for sincero consigo mesmo, verificará que somos mantidos neste Povo santo por fidelidade dele, e assim, será mais penetrado da certeza de que a vocação é Graça.

Quando cada um de nós, chamados a estar (no) e ser Povo de Deus, for penetrado pela certeza de amor e eleição (Graça) não poderá deixar de concluir que, apesar de não podermos explicitar o porquê da eleição de Deus sobre nós, podemos explicitar a finalidade, o para que fomos chamados e escolhidos: tornar o amor de Deus por toda a humanidade, presente e vivente no coração das pessoas, manifestado na obra redentora de Jesus Cristo. É a missão.

Quando cada um de nós, chamados a estar (no) e ser Povo de Deus, contemplar verdadeiramente o amor e eleição de Deus por nós, não exercerá a missão de ser Povo de Deus, como se estivesse simplesmente ajudando a Igreja, fazendo um favor para o padre ou para o bispo, fazendo obra filantrópica, dando um pouco de seu tempo…A missão é o tempo todo em cada chamado a serviço específico que temos no Povo de Deus. Quando verdadeiramente contemplarmos a grandeza da eleição e do chamado, diremos como Paulo: “o amor de Cristo nos impele, quando consideramos que um só morreu por todos…a fim de que aqueles que vivem não vivam mais para si, mas por aquele que morreu e ressuscitou por eles…Ai de mim se não anunciar o Evangelho.” (cf. 2Cor 5,14-15; 9,16)

 

Dom Edmilson Amador Caetano, O.Cist. – Bispo diocesano

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Corpus Christi: Memorial da ceia do Senhor

Neste mês de junho celebramos a Solenidade de Corpus Christi. Ao longo dos séculos, por vários fatores, foi-se concretizando na Igreja a necessidade de celebrar de modo especial o Sacramento da Eucaristia numa solenidade, colocando em relevo a presença real do Senhor no Santíssimo Sacramento do Altar. Esta solenidade não ofusca de modo algum a Instituição da Eucaristia que já celebramos na quinta-feira santa e muito menos a solenidade com que celebramos, de modo especial no domingo, a Páscoa semanal.

A relevância que se dá à presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento do Altar, coloca em relevo que o MEMORIAL DA CEIA DO SENHOR não é somente uma recordação ou significação, mas a realização da promessa do Senhor que está conosco todos os dias e a real atualização do mistério pascal em nossa existência cristã e no mundo. Não pode ser uma presença passageira ou meramente significante. Se fosse somente assim, na realidade, seria insignificante. A solene procissão litúrgica que fazemos nesta solenidade quer ser expressão da nossa fé nesta presença real e efetiva.

Estamos vivendo na Igreja no Brasil neste ano o III Ano Vocacional. A Eucaristia está no centro e no ápice da nossa vocação cristã.  A Eucaristia faz a Igreja. Ela coroa toda a Iniciação Cristã e é necessária em toda a caminhada cristã em qualquer vocação que somos chamados a viver na Igreja e no mundo. Participar da Eucaristia é manifestar concretamente que nossa vocação é graça e missão. A Celebração Eucarística é ponto de chegada e ponto de partida para a missão da Igreja. Ela marca a nossa identidade vocacional no ficar com Cristo e estar com Ele para uma vivência autêntica da fé cristã na pureza da verdade desta fé, sem sincretismos que ofuscam a identidade cristã.

Podemos dizer que a Eucaristia é o que temos de mais sagrado. As exigências para a plena participação na Eucaristia não são simplesmente legalismos “puritanos”, mas consciência do quão grandioso é aproximar-se do banquete do Senhor.

Subjetivamente não podemos julgar a consciência dos que se aproximam para comungar o Corpo e Sangue do Senhor. Objetivamente, diante de circunstâncias públicas e concretas, podemos dizer às pessoas que não podem ser admitidas à comunhão eucarística. Por outro lado, não é atitude respeitosa e caridosa retirar as pessoas, como que à força, da mesa da comunhão quando somos sabedores das circunstâncias públicas e concretas que não permitem que comunguem. O diálogo fraterno e a instrução, num momento individual ou formativo, é o melhor caminho.

Na Tradição antiga da Igreja os pecadores públicos (apostasia, adultério, homicídio) não eram admitidos à Celebração da Eucaristia, sem a devida penitência e reconciliação. Nem mesmo os simpatizantes da fé cristã ou catecúmenos eram admitidos à Liturgia Eucarística, pois há necessidade de plena comunhão com Cristo e a Igreja para participar da Ceia do Senhor. É o que de mais sagrado temos.

Atualmente as portas das nossas comunidades estão abertas a todos que querem acorrer à Celebração da Eucaristia. Todos são bem-vindos e acolhidos. Esta receptividade, no entanto, não deve ser identificada como permissão de plena participação. Apesar de ser necessário dar grande valor ao ecumenismo e ao diálogo interreligioso, não significa admissão à Ceia Eucarística. Isso não  é descriminação e nem coibição à liberdade religiosa. Como todos, temos o direito de viver e expressar a nossa fé sem deixarmo-nos levar por sincretismos. Devemos respeitar a vivência e as expressões religiosas dos outros em seus ambientes próprios, assim como temos o direito ao mesmo em nossos ambientes.

 

Dom Edmilson Amador Caetano, O. Cist.Bispo diocesano

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“Não fostes vós que me escolhestes…”

Estamos vivendo o III Ano Vocacional do Brasil.

Geralmente quando se fala em vocação remete-se, quase que instantaneamente, às vocações aos ministérios ordenados e à vida consagrada. Não se pensa   que estamos na Igreja por vocação. Ainda que tenha sido opção nossa fazermos parte da Igreja, houve alguém que nos chamou primeiro. “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e produzirdes fruto e para que vosso fruto permaneça…” (Jo 15,16).

A Escritura nos narra tantos chamados de Deus. Os vocacionados, desde Abraão, são chamados nas realidades concretas de sua vida. Abraão vivia angustiado por não ter filhos e uma esposa estéril. Moisés, foragido do Egito, estava curioso ao descobrir o porquê do arbusto queimar-se sem se consumir. Samuel, na sua infância, discerne o chamado de Deus, ajudado por Eli. Davi é ungido rei, enquanto pastoreava as ovelhas. Todas as mulheres e homens de Deus no Antigo Testamento possuem um momento concreto do chamado de Deus em suas vidas.

No Novo Testamento Jesus chama seus discípulos indicados por João Batista, na pesca, na banca da cobrança de impostos, convidando a descer da árvore àquele que queria vê-lo. De modo maravilhoso, durante uma perseguição quase que odiosa, o Apóstolo Paulo é chamado.

A iniciativa do chamado é sempre de Deus e Ele o faz nas mais variadas situações concretas da vida. Ele nos amou e nos chamou por primeiro.

Um dos objetivos do III Ano Vocacional do Brasil é promover a cultura vocacional. Neste sentido é fundamental que façamos memória na nossa existência quando e como o Senhor nos chamou. Alguém pode objetar que está na Igreja como que naturalmente, pois é uma “tradição” familiar. Até mesmo nossa família é um acontecimento concreto no qual Deus se manifesta. No entanto, ainda que por mais “natural” possam parecer as coisas, estamos na Igreja por uma opção consciente. Portanto, precisamos identificar na nossa existência, com fatos concretos e existenciais, quando a voz de Cristo atingiu o nosso coração. Isso é ter consciência vocacional. Não se pode promover uma cultura vocacional sem esta consciência.

“…Vos escolhi e vos designei para irdes e produzirdes frutos…” não podemos identificar o porquê da escolha do Senhor sobre nós. Não somos melhores dos que não foram escolhidos para estarem imediatamente na comunidade cristã. No evangelho de Mc 3 está dito que Jesus escolheu os que Ele quis. Não sabemos os critérios da escolha dos apóstolos e nem os critérios de Deus para nossa escolha. No entanto, o “para que” fomos escolhidos está dito na citação de João e em outros lugares. O Senhor nos escolheu para a missão. O nosso chamado é graça e missão, como todos os chamados bíblicos.

Para a promoção da cultura vocacional na Igreja precisamos ter consciência da concretude do nosso chamado e com qual finalidade o Senhor nos chamou. O nosso coração irá arder quando identificarmos o chamado de Deus. Quando percebermos que não fizemos nada para receber a graça da vocação – que é graça mesmo -uma gratidão brotará do nosso coração ardente. Um coração ardente não pode estar desprovido da missão. Vocação é graça e missão.

 

 

Dom Edmilson Amador Caetano, O.Cist.

Bispo diocesano

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Mensagem de Páscoa 2023 – Dom Edmilson

“Ide depressa contar aos discípulos que ele ressuscitou dos mortos, e que vai à nossa frente na Galileia. Lá vós o vereis.”

(Mt 28,7)

A Galileia é o lugar onde Jesus passou a infância, adolescência, juventude e chegou à idade adulta. A maioria dos discípulos era da Galileia. O início do ministério público de Jesus, após o batismo no Jordão, foi a partir dos confins da Galileia. Os primeiros sinais do Reino, como nas Bodas de Caná, foram realizados na Galileia. Em Cafarnaum, na Galileia, estava a casa de Jesus e seus discípulos. Junto ao Mar da Galileia Jesus fez as multiplicações dos pães e ensinou seus discípulos a missionarem. Da Galileia Jesus vai para Jerusalém para entregar a sua vida. Voltando à Galileia Jesus ressuscitado envia os discípulos em missão prometendo que, com poder, está com eles todos os dias até final dos tempos.

Na Galileia Jesus chamou os seus primeiros discípulos.

Na nossa Galileia Jesus também nos chamou e colocou-nos na sua comunidade.

Nesta celebração pascal de 2023 voltemos à Galileia para vermos o Cristo ressuscitado. Não fiquemos aterrados e aterrorizados diante da cruz de cada dia, da crueldade do mundo, da corrupção que nos rodeia, da miséria que fere a dignidade do ser humano.

Voltemos à Galileia. Voltemos ao primeiro amor, onde e quando o Senhor com voz potente tocou o nosso coração e compreendamos que a Cruz não é derrota, mas vitória. Voltemos à Galileia onde com a comunidade dos discípulos – aquela onde o Senhor nos inseriu e vimos os seus sinais – assim compreenderemos que o Senhor vitorioso está conosco. Voltemos à Galileia e retomemos a nossa vida em comunidade e tenhamos renovada consciência de sermos comunidade eclesial missionária. Voltemos à Galileia e não nos deixemos  dominar pela preguiça e comodismo. Voltemos à Galileia e não deixemos que as vozes dos falsos profetas, apregoadores de desgraça e divisão, distancie-nos da comunidade e da celebração da Eucaristia, fazendo-nos duvidar da força e do poder do Espírito do ressuscitado.

Não pode haver Feliz Páscoa se não voltarmos à Galileia.

Alegria! O Senhor ressuscitou! Verdadeiramente ressuscitou!

 

Dom Edmilson Amador Caetano. O.Cist.

Bispo diocesano de Guarulhos

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Páscoa da Ressurreição com Alegria!

Que todos possamos celebrar com alegria a Páscoa de 2023 com alegria e como um acontecimento novo onde somos restaurados! Achei conveniente repetir aqui uma reflexão de 2014, com alguns acréscimos. Ela parece-me atual.

Com o Domingo da Páscoa da Ressurreição a Igreja inicia 50 dias de festa celebrando o Cristo ressuscitado. Estes 50 dias culminam e terminam com a Solenidade de Pentecostes.  Este período celebrativo do Ano Litúrgico nos faz também refletir como os cristãos são chamados a viver a presença do Cristo ressuscitado.  Uma simples análise dos trechos bíblicos dos relatos da ressurreição nos evangelhos pode dar-nos indicações importantes. Aqui, no entanto, quero salientar uma importantíssima: a experiência do Cristo ressuscitado na vida dos discípulos dá-se em COMUNIDADE.

Às mulheres que vão ao túmulo em Mt 28,1-8, o anjo determina-lhes que os discípulos estejam reunidos na Galileia. Alí verão o Ressuscitado. Algo semelhante acontece em Mc 16,1-8, com uma característica especial: dizer aos discípulos e a Pedro. Isso, de certo modo, caracteriza os discípulos, não de modo amorfo, mas comunitário. No relato de Lc 24,1-12, não aparece a determinação de se reunirem na Galileia, mas as mulheres, voltando do túmulo, anunciam o acontecimento do túmulo a vazio e o que presenciaram, aos discípulos (“os onze”, “os apóstolos”): sempre o coletivo, nunca o individual. A experiência dos assim chamados “discípulos de Emaús” (Lc 24,36-52) faz com que eles voltem para Jerusalém, ao seio da comunidade dos discípulos de Jesus.  No evangelho de João (Jo 20,1-18) a personagem principal da primeira aparição do Ressuscitado é Maria Madalena. Após a sua experiência do encontro com o Ressuscitado, ela vai anunciar aos discípulos. É patente que a experiência do Ressuscitado nunca é uma experiência “mística” individualizante, ela sempre remete à comunidade dos discípulos. Não há como vivenciar a experiência do Ressuscitado estando desvinculado da comunidade.

A este propósito é emblemático o trecho da chamada “incredulidade de Tomé” (Jo 20,19-29). Tomé não faz a experiência do Ressuscitado exatamente porque não estava reunido com a comunidade naquela tarde de domingo (o primeiro dia da semana). Ele fará a sua experiência da presença do Ressuscitado quando, no outro domingo, (oito dias depois) estiver reunido com a comunidade.

A comunidade dos discípulos de Jesus reúne-se para a Páscoa semanal, celebrando o domingo, Dia do Senhor (dies Domini). A celebração da Eucaristia é o ponto de chegada e o ponto de partida para toda a missão da Igreja.

O Ressuscitado não envia os discípulos em missão individualmente. Sempre estão reunidos: Mt 28,16-20; Mc 16,9-19; Lc 24,36-52 e Jo 21.

Se somos discípulos do Ressuscitado, não há outro modo de segui-Lo a não ser em comunidade. Celebrar a Páscoa e afastar-se da comunidade do Ressuscitado, esperando para celebrá-la novamente no ano seguinte, é ser “pascoalino” e não discípulo. A Igreja é mistério de comunhão. Não há como ser Igreja sem caminhar numa comunidade.  

“O discípulo missionário de Jesus Cristo faz parte do Povo de Deus e necessariamente vive em comunidade. A dimensão comunitária é intrínseca ao mistério e à realidade da Igreja, que deve refletir a Santíssima Trindade. Sem vida em comunidade, não há como efetivamente viver a proposta cristã, isto é, o Reino de Deus. A comunidade acolhe, forma e transforma, envia em missão, restaura, celebra, adverte e sustenta.” (CNBB, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, 2011-2015, n. 56)

Dom Edmilson Amador Caetano, O. Cist. – Bispo Diocesano