SÃO PAULO - BRASIL

“O Senhor fez em mim maravilhas.” (Lc 1,49)

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Presbítero: Comunhão e Missão

“Vós todos sois irmãos” (Mt 23,8)

O presbítero é um homem inserido num contexto sujeito aos desafios e mudanças de cada período. O grande desafio é manter-se sadio e ajudar a sarar os que doentes ficaram e a preservar da enfermidade os que estão sãos. Imaginemos, portanto, o grande desafio do nosso tempo.

No Encontro Nacional de Presbíteros (ENP), ocorrido em Aparecida, de 09 a 14 de Maio, foram abordados vários aspectos da situação atual e como se colocar diante de um contexto de tanta conturbação. As reflexões a seguir têm por base o que lá foi apresentado.

Padre Rosimar, da Arquidiocese de Cuiabá, começou citando uma frase de Padre Manoel Godoi: “Antes de ser padre é preciso ser cristão e antes de ser cristão é preciso ser humano”. Trouxe também trechos das diretrizes gerais para contextualizar o tempo presente. Nas diretrizes, a denúncia de que a nossa sociedade caminha para um secularismo e a perda do sentido da transcendência. Deus é esquecido, quase uma figura mítica.

Sem a referência divina, a subjetividade vira uma ditadura do eu: “eu quero assim, eu penso assim”. O individualismo se acentua e o sujeito vira um mundo à parte do todo. Neste contexto, a comunidade começa a se esfacelar, pois o sujeito não se sente pertença – eu não sou deste grupo, eu não pertenço a esta comunidade e a nenhuma outra. Imaginemos as consequências para nossas paróquias, imaginemos o desastre em nossas pastorais. “Se não for do meu jeito, eu não quero” – não há envolvimento. O isolamento acontece. A comunidade dá lugar a um processo de isolamento. Neste contexto, não há empatia, compaixão, o outro não me diz respeito – “é cada um por si”. E a identidade comunitária de nossa fé? E o convite de Jesus para integrar uma comunidade? E a vivência do Evangelho? Se a deterioração da identidade comunitária se apresenta, consequentemente a deterioração da identidade humana também, pois o homem é um ser para relacionar-se.

No meio desta crise toda, a identidade do presbítero fica prejudicada e a sua missão também. Imagine ser presbítero num contexto desafiador assim. O que acontece é que também o sacerdote adoece e pode acontecer o problema do isolamento e do afastamento da comunidade presbiteral. Pode acontecer o desencantamento com a missão.

Um outro aspecto do nosso tempo é a questão da vida acelerada, acentuada ainda mais pela pandemia. É como se vivêssemos a ditadura do tempo. Corremos contra ele que está atrás de nós, nos devorando. A sensação de que o que fazíamos antes, num determinado período de tempo, não dá para fazer agora, se faz presente. O filósofo Zygmunt Bauman conceitua estas transformações rápidas como modernidade líquida. É como se tudo escorresse por entre as mãos.

Não há tempo para os encontros fraternos. Somos, muitas vezes, absorvidos por vários trabalhos e iniciativas pastorais que, ao invés de produzir frutos, sufocam a comunidade e, consequentemente, o padre. Muitas vezes estamos conversando com pessoas e resolvendo coisas no celular, sem querer nos entregar verdadeiramente ao encontro com o outro. Não estamos inteiros. Ferimos a santidade da escuta.  Muitas vezes, não há comprometimento com os vínculos de relação. Diante deste cenário, eu penso em Deus perguntando a Caim: Onde está teu irmão?

É inegável que, neste contexto, a superficialidade com o outro se faz presente. Os diálogos não são francos e honestos. Os vínculos serão sempre superficiais. A escuta e a compreensão ficarão prejudicadas. A escuta exige envolvimento com o outro. O cristianismo é marcado por encontros. Gastar tempo com o irmão é uma necessidade evangélica.

Uma outra característica deste tempo é o consumo, pai de uma série de desgraças. Nossa sociedade vai apresentando necessidades não existentes para seduzir o interlocutor a comprar desesperadamente. E, para facilitar a vida da pessoa, o mercado se desdobra em propagandas mirabolantes. Uma das desgraças é o “conforto”. É justificável que se tenha coisas para facilitar a vida, mas a corrida exagerada pelo conforto gerou pessoas frágeis, sem o mínimo de espírito de resiliência e de resistência. Lidar com a escassez de algo é como se fosse uma morte.

Os sacerdotes correm o risco de também se deixarem levar pelo discurso de consumo e de conforto. O sacerdote é chamado a reconhecer o caminho do sacrifício e da renúncia da vontade como um caminho de identificação com o mestre Jesus. O conforto pode nos levar a uma proximidade com a preguiça.

Nesta sociedade, priva-se também os padrões de beleza estabelecidos por um grupo que domina as mídias sociais. Uma beleza que não conta com as diferenças mas, a padronização de tudo. Todos têm que ser assim. Se estabelece um povo uniforme. Todos com a mesma “cara” e o mesmo comportamento.

Por causa do individualismo, o autorreferencialismo se estabelece. Quem é a forma perfeita?: EU. Mas, como pode o presbítero esquecer que a referência é sempre Cristo? E como o povo pode desejar uma religiosidade que agrada ao ego? Se me faz bem, eu vou. Se eu choro, este padre é ungido… etc.

Quem é o presbítero em meio a este mundo doente? É aquele que se deixa ser atraído pela gratuidade de uma vida entregue a Deus. Aquele que cuida dos que lhe foram confiados. Aquele que sabe os limites e os comunica aos outros. É aquele que não negligencia a missão, mas também não se deixa sobrecarregar pelos muitos trabalhos. Aquele que é íntimo de Deus e das dores dos homens. É o homem de Deus e dos irmãos!

O cuidado de si também faz parte da missão. É cuidar cuidando-se. Os números de suicídios e de desistências do ministério refletem as enfermidades que assolam também a vida dos sacerdotes. Burnout, ansiedade, depressão, abuso de substâncias químicas, transtornos de personalidade, etc. A Presbiterorum Ordinis usa uma palavra para descrever os tempos: desalento.

O começo de uma mudança se dá com a descoberta do convite de Jesus:Vinde a mim, vós que estais cansados” (Mt 11,28). Dom Joel Portella, secretário da CNBB, nos fez este audacioso e conhecido convite: Escutar o convite de Jesus, descansar nEle. Não dá para, em meio às mudanças que se fazem presentes, colocar nossa confiança naquilo que temos ao alcance, na loucura da crise de identidade, o indivíduo se agarra ao que está ao seu alcance. Temos as verdades basilares. A Igreja, sacramento da salvação, continua sua missão no mundo.

O presbítero é o homem da esperança com características, segundo Dom Joel, bem definidas:

O sacerdote é peregrino: como Jesus, o enviado do Pai, o sacerdote vive sua missão neste mundo sabendo que sua realização se dará em plenitude em Deus. Caminhamos nas estradas do mundo rumo ao céu;

O sacerdote é irrequieto: não se acomoda, mas busca, em meio a tudo, formas de anunciar Deus e seu reino;

O sacerdote é ponte: estabelece relações, liga através dos sacramentos, principalmente o sacramento da confissão;

O sacerdote é ouvinte: trata-se da nobre missão de se fazer escuta. Escuta a Deus e escuta os irmãos;

O sacerdote é testemunha: não se trata de anunciar Cristo com um discurso vazio e frio, mas de tocar o coração das pessoas com o que viu e ouviu;

O sacerdote é celibatário: sua vida é uma oferta. O amor é indiviso, é todo entregue a Deus;

O sacerdote é Cirineu: feito para ajudar os irmãos a carregarem as pesadas cruzes desta vida, anunciando-lhes a grandeza do céu;

O sacerdote é irmão: membro de uma família chamada presbitério, onde experimenta o exercício da fraternidade presbiteral, é irmão com os irmãos;

Rezemos pelos sacerdotes de nossa Diocese e pelos sacerdotes espalhados no mundo inteiro. Sejam eles homens de comunhão e de serviço. E que, em nossas paróquias e comunidades, cooperemos com o exercício pastoral de nossos padres. Construamos a Igreja de Cristo sendo irmãos uns dos outros e ajudando sempre a carregar a cruz.

 

Padre Cristiano Sousa – Representante dos Presbíteros

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