No Antigo Testamento, livro de 2 Mac 12, 38-45, já existe a ideia de que podemos e devemos interceder por aqueles que já partiram para a eternidade. Esse entendimento foi abraçado pelo cristianismo católico, e encontra em cada um de nós um refrigério para continuarmos a interceder por aqueles que não estão mais em nosso convívio aqui na terra. Acreditamos que haja uma conexão direta entre a Igreja Triunfante (os que estão na glória), com a Igreja Militante (nós que estamos militando neste mundo) e, com a Igreja Padecente (aqueles que estão se purificando para entrar na vida eterna).
A dor experimentada por todos que já perderam pessoas queridas, é marcada profundamente e deixa uma sensação de impotência diante da morte, que estabelece uma separação física. Muitos experimentam um vazio tão grande com suas perdas, que chegam a ter sua saúde mental afetada, e que necessitam de ajuda de especialistas para enfrentar os problemas causados pelo luto.
Embora as questões sobre a vida após a morte seja um mistério, podemos sim nos empenhar a conhecer quais os textos bíblicos nos dão ensinamentos sobre o tema e, buscar a luz de esclarecedores estudiosos sobre o tema, um correto entendimento. Nós, católicos, necessitamos conhecer aquilo que o magistério da Igreja trás de estudos e documentos, para assim formarmos um entendimento com uma base sólida. Dentro desta perspectiva, a Carta Encíclica Spe Salvi – “é na esperança que fomos salvos”, de Bento XVI, trata sobre a fé e a esperança, pontuando vários aspectos relacionados com a vida eterna.
A Encíclica Spe Salvi, aborda a esperança cristã em vários tópicos ou temas que podemos sintetizar como: Articulação entre fé e esperança; Dilatar a esperança; A vida eterna como objeto da esperança; A natureza da esperança cristã; Lugares de experiência da esperança; Nova perspectiva para a compreensão das realidades escatológica. Nesta reflexão fixarei o olhar sobre o (n.48) da Encíclica que menciona sobre a prática de que se possa ajudar, através da oração, os defuntos no seu estado intermédio adotada no antigo judaísmo, e que foi adaptada pelos cristãos com grande naturalidade, é comum à Igreja oriental e ocidental. Existe a compreensão de que para as almas dos defuntos, pode ser dado alívio e refrigério, mediante a Eucaristia, a oração e a esmola. Porém, o texto que salta o olhar é apresentado por Bento XVI, como:
“O fato de que o amor possa chegar até ao além, que seja possível um mútuo dar e receber, permanecendo ligados uns aos outros por vínculos de afeto para além das fronteiras da morte, constituiu uma convicção fundamental do cristianismo através de todos os séculos e ainda hoje permanece uma experiência reconfortante. Quem não sentiria a necessidade de fazer chegar aos seus entes queridos, que já partiram para o além, um sinal de bondade, de gratidão ou mesmo de pedido de perdão? Aqui levantar-se-ia uma nova questão: se o « purgatório » consiste simplesmente em ser purificados pelo fogo no encontro com o Senhor, Juiz e Salvador, como pode então intervir uma terceira pessoa ainda que particularmente ligada à outra? Ao fazermos esta pergunta, deveremos dar-nos conta de que nenhum homem é uma mônada fechada em si mesma. As nossas vidas estão em profunda comunhão entre si; através de numerosas interações, estão concatenadas uma com a outra. Ninguém vive só. Ninguém peca sozinho. Ninguém se salva sozinho. Continuamente entra na minha existência a vida dos outros: naquilo que penso, digo, faço e realizo. E, vice-versa, a minha vida entra na dos outros: tanto para o mal como para o bem. Deste modo, a minha intercessão pelo outro não é de forma alguma uma coisa que lhe é estranha, uma coisa exterior, nem mesmo após a morte. Na trama do ser, o meu agradecimento a ele, a minha oração por ele pode significar uma pequena etapa da sua purificação. E, para isso, não é preciso converter o tempo terreno no tempo de Deus: na comunhão das almas fica superado o simples tempo terreno. Nunca é tarde demais para tocar o coração do outro, nem é jamais inútil”.
Talvez nossa prática de oração já fosse normal em relação aos falecidos, mas ao ter contato com esses ensinamentos do magistério da Igreja, minha esperança foi renovada e fui inflamado de uma alegria transbordante, pois vejo o quanto podemos beneficiar com nossas intercessões, aqueles que se foram e, quanto o amor que nos une pode estar em comunhão entre si. Nossas orações constituem uma expressão de amor por todos que tanto amamos em vida e, que nem a morte pode impedir que continuemos amando. Como nos afirmou o Papa Francisco em outro contexto da “Laudato si”, “Tudo está interligado”. Podemos fazer um paralelo com os textos da Encíclica Spe Salvi, dizendo que nossas vidas estão sim interligadas com as novas dimensões daqueles que já partiram.
É na esperança que fomos salvos (Rm 8,24).
Celso Rogério San-Tana Teixeira – Aluno do 5º Ano de Teologia pela PUC-SP e aspirante ao Diaconato Permanente pela Diocese de Guarulhos