A realidade humana encontra-se profundamente ferida em sua capacidade de relação, que é uma de suas maiores dignidades e a torna imagem e semelhança de Deus. Os seres humanos, especialmente na era moderna, enfrentam grandes dificuldades em estabelecer relações com Deus, consigo mesmos, com os outros e com a criação da qual fazem parte. É nesse contexto que as pastorais sociais são chamadas a atuar á luz das sagradas escrituras, da tradição do magistério nos orientam neste novo tempo e desafios.
Assim sendo, tendo em vista estas considerações, a nossa reflexão visa mostrar a esse homem alienado, perdido, que no modo de ser de Jesus Cristo está a resposta do enigma da humanidade. Jesus, o Filho muito amado do Pai, ao assumir nossa natureza humana restaura a humanidade em todas as suas dimensões, mas não faz isso sem a cooperação do próprio homem. Por isso, no seu modo humano de existir nos revela e nos ensina como restaurar a nossa capacidade de relação.
Por muito tempo a Igreja se debruça sobre o homem concreto, constatando e denunciando situações desumanas como aquelas vividas pelos mais frágeis e esquecidos que, em vez de serem resolvidas, se torna cada dia ainda mais graves e questiona a Igreja, em sua voz profética, onde temos cada vez mais a impressão de que a voz do deus do lucro e do dinheiro, tem mais adoradores e conquista mais os corações e consciências de nossa gente.
Vemos uma situação de exclusão, pobreza, violência, perda de valores éticos e religiosos que nos deixa intimidar, fazendo com que o Evangelho de Jesus e o magistério da Igreja não sejam ouvidos e mesmo diante de tanta profecia e denúncia eclesial de opressões sociais, econômicas e políticas, parece não haver tanta firmeza no anúncio do Reino de Deus, como realidade de paz e justiça, acontecendo no aqui e no agora, nos perguntamos em que situação nos estaríamos sem a presença do Evangelho e da Igreja, a realidade atual seria bem mais triste e desumana.
“no seguimento de Jesus Cristo, aprendemos e praticamos as bem- aventuranças do Reino, o estilo de vida do próprio Jesus: seu amor e obediência filial ao Pai, sua compaixão entranhável frente à dor humana, sua proximidade aos pobres e aos pequenos, sua fidelidade à missão encomendada, seu amor serviçal até a doação de sua vida. Hoje, contemplamos a Jesus Cristo tal como os Evangelhos nos transmitiram para conhecer o que Ele fez e para discernir o que nós devemos fazer nas atuais circunstâncias” (Documento de Aparecida, n 139).
Diante desta realidade, os diáconos são chamados como Igreja a um ministério verdadeiramente social , sobretudo nas áreas de missão, para explicar mais frutuosamente seu ministério com a ajuda da graça sacramental do diaconato (LG 29).
A espiritualidade diaconal se caracteriza pela descoberta e partilha do amor de Cristo servo, que veio para servir e não para ser servido. O candidato deve adquirir atitudes como simplicidade de coração, doação total de si mesmo, amor humilde e de serviço aos irmãos, especialmente aos mais pobres e necessitados, e escolha por um estilo de partilha e pobreza. A articulação do corpo diaconal tem como finalidade principal fazer a vida diaconal circular entre todos os membros, vivenciando dores e alegrias, angústias e esperanças, fracassos e vitórias, oração, espiritualidade, partilha, encontros e reuniões, amor e entrega pelos irmãos na rua ou em qualquer outra situação de miséria humana, sem medir esforços.
A Igreja tem a responsabilidade de cuidar dos mais vulneráveis e o diácono deve estar atento às necessidades dessas pessoas e apoiar as pastorais sociais que trabalham para oferecer cuidados de saúde, moradia, alimentação e vestuário, além de palavras de conforto e orientação espiritual e que atuem oficialmente em nome da Igreja, levando a presença sacramental aos diferentes lugares onde os excluídos se encontram. O diácono pode ser um guia seguro para esses irmãos, conduzindo-os ao Reino do Senhor, onde poderão encontrar segurança, alívio para suas necessidades mais profundas e cuidados para suas feridas.
“Mas um samaritano, que estava viajando, chegou perto dele, viu e sentiu compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal
A miséria humana e suas consequências deveria sensibilizar todos crentes, assim como sensibilizou o samaritano frente ao sofrimento de outro que nem conhecia e não somente parou, mas o levantou, levou e pagou para ser cuidado e curado. Diante da cruz de Cristo, nenhum cristão que comunga, pode se omitir e achar que não é com ele e que cabe ao outro cuidar. O alimento recebido semanalmente na eucaristia e na palavra de Deus durante a Santa Missa deve nos direcionar à compaixão, a reflexão que a melhora deste mundo e das pessoas, passa por sua ação concreta diante de todos os desafios sociais.
Você já parou para analisar o olhar e a forma como os mais necessitados olham pra você, muitas vezes com medo e com receio, com a incerteza se será percebido ou se conseguirá ao menos um pouco do que está pedindo. Já parou para pensar que levou-o a uma pensão, onde cuidou dele”, Lc 10,32 há dias na vida sofrida que ele leva e tem que driblar a fome e a dor com bebidas alcoólicas e drogas, muitas vezes como a única alternativa que restou porque todos lhe deram as costas.
Que se ele saiu de uma casa que tinha conforto e preferiu a vergonha e as dificuldades da rua ou de outros cantos, é porque ele precisava mais do que nunca de alguém que pudesse escutá-lo e entender seus problemas e angústias. A Igreja conta com a sabedoria herdada da Tradição e da revelação dada nas Sagradas Escrituras, com autoridade de interpretar e colocar em prática todo ensinamento contido e querido por Deus.
“Pois tive fome e me destes de comer.Tive se e me destes de beber.Era forasteiro e me acolheste.Estive nú e mes vestistes, preso e vieste ver-me” Mt 25 35,36
O evangelista Mateus narra o último julgamento, onde o próprio Cristo nos mostra as condições para entrar no reino dos céus em uma linguagem clara e objetiva. Fica fácil entender que a missão de todo cristão sempre deve ser em favor dos pobres, dos órfãos e da viúva.
Já se passaram muitos séculos e na contemporaneidade ainda não foram contemplados os verdadeiros destinatários do reino que ainda sofrem, perambulam e insistem em viver. Somos chamados a missão de fazer acontecer o reino de Deus aqui e agora nestes dias difíceis, onde parecem despontar os sinais dos tempos, somos chamados a dar uma resposta de amor a Deus.
“Iluminados pelo Cristo, o sofrimento, a injustiça e a cruz nos desafiam a viver como Igreja samaritana (cf. Lc 10,25-37), recordando que “a evangelização vai unida sempre à promoção humana e à autêntica libertação cristã”20. Damos graças a Deus e nos alegramos pela fé, solidariedade e alegria características de nossos povos, transmitidas ao longo do tempo pelas avós e avôs, as mães e pais, os catequistas, os rezadores e tantas pessoas anônimas, cuja caridade mantém viva a esperança em meio às injustiças e adversidades” (Documento de Aparecida, 27)
Esta reflexão me fez descobrir o que já carregava dentro de mim e me incomoda ao ver o sofrimento nas ruas de minha comunidade, após cada Missa e comunhão recebida no conforto de minha Paróquia e ao lado de irmãos que poderiam retribuir aos bens recebidos sem enxergar aqueles que já não podiam, porque o tempo e as circunstâncias os afastaram do nosso meio e já ficara mais difícil de se reaproximar.
Fundada e querida por Cristo, a Igreja fez uma opção pelos pobres e fracos e a Igreja da América Latina procura viver com intensidade esta preferência tendo como ferramenta principal as pastorais sociais em seus diversos campos de atuação em busca do bem-estar social e comunitário.
Os anos vividos em comunidade, as experiencias positivas e as com menos êxito formaram ingredientes a continuar buscando, seja pela convivência em comunidade, seja pela atividade acadêmica que apesar das limitações, do tempo e da compreensão nos trouxe até aqui, com uma nova missão diante da miséria humana e agora em um novo tempo pós pandemia, que exige a necessidade de readaptação e diante das novas exigências impostas pela sociedade, estado e do novo homem que surge nesta nova etapa. Será que a pandemia transformou o homem, ou somente uma parte foi tocada e fará a grande diferença na sua vida e em consequência na do outro.
Há um paradigma e uma equação difícil de responder, enquanto o homem insistir em ser apenas homem e não compreender que se trata de um ser a imagem e semelhança de Deus, que busca a vida integral, digna do ser reconhecido como filho de Deus.
A Igreja peregrina conta com o homem sujeito da sua própria história, a buscar alternativas a sociedade do consumo que busca dia a dia a riqueza, ganância e o poder que distribui mau os bens que deveriam ser comuns e destroem a possibilidade de se haver harmonia e boas relações de fraternidade.
Ao longo dos séculos o homem de boa vontade, passando pelos profetas, apóstolos, pela tradição e por tantos outros que inclusive entregaram a própria vida pela causa da justiça vem ao seu modo e inspiração constituir um novo povo de Deus neste tempo. Neste tempo acadêmico e de discernimento eclesial com várias experiencias e desafios fizeram crescer a vontade de continuar em missão, crendo que é possível diminuir a miséria humana e propor um novo pacto com a sociedade que só terá a ganhar com homens e mulheres novos, reinseridos no convívio social com dignidade. Para tanto, há a necessidade juntar as forços com todos os grupos, independente do credo possam agregar e trazer resultados comuns, cujo benefício seja de todos.
Antonio Calixto Silva
Candidato ao Diaconato Permanente