Podemos identificar nos evangelhos duas passagens significativas nas quais Jesus insiste na necessidade da oração, como algo fundamental para a vida em Deus. Em Lc 18,1, “Jesus propôs uma parábola para mostrar-lhes a necessidade de orar sempre sem nunca desistir”. Algumas traduções trazem o verbo “inculcar” no lugar de mostrar. Parece mais forte e de acordo com o intuito da parábola. Em Mt 26,41 (e paralelos): “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. O espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.” Duas citações que se enquadram diante de situações extremas. Dentro do contexto da vigilância e parusía, como acontecimento da plenitude do Reino, o apóstolo Paulo diz “Orai sem cessar” (1Ts 5,17).
As duas citações dos evangelhos acima nos colocam em situação de combate. Podemos dizer, portanto, que a oração é uma arma de combate. Combate contra quem? Na parábola do evangelho de Lucas a “prece” insistente da viúva para o juiz iníquo é “Faze-me justiça contra o meu adversário” (Lc 18,3). Adversário nas Escrituras é principalmente Satanás. Aquele que acusa e arquiteta contra a obra de Deus (cf. Jó). No caso da viúva da parábola o adversário quer prejudicar uma viúva, parece querer roubar-lhe algo que lhe pertence e ela não tem como impedir. Somente o juiz pode lhe fazer justiça. Sem entrar em muitas argumentações podemos dizer que existe algo do qual o adversário quer nos privar e que nos pertence: o céu, a vida eterna, a verdadeira terra prometida.
Na agonia de Jesus no Getsêmani, Ele também vive um combate entre o céu que é seu desde toda a eternidade e a missão de entrega total à vontade do Pai que abre para todos a vida eterna. O seu espírito está pronto, mas sente a fraqueza da carne, pois o “Verbo se fez carne” (Jo 1,14). Sem a oração, sem entrar na sintonia da vontade do Pai, não é possível vencer a debilidade da carne.
Podemos elencar muitas motivações para “orar sem cessar”, mas parece ser esta fundamental no ensinamento de Jesus: orar sem jamais esmorecer porque existe um adversário que nos quer “roubar” aquilo que Deus, desde toda a eternidade, destinou a nós em Cristo: sermos santos e imaculados diante d’Ele (cf Ef 1). Pode até parecer uma expressão piegas, mas é necessário rezar sempre para não perdermos o céu, a participação no Reino em sua plenitude.
O adversário, Satanás, o pai da mentira, engana-nos constantemente em nossa carne para duvidarmos do amor de Deus e buscarmos a realização da nossa vida e a felicidade nas coisas que o mundo oferece e têm verniz de felicidade. Deste modo, rezar é entrar todos os dias em combate contra as seduções do inimigo que constantemente nos arrasta para armadilhas fatais.
O mistério pascal que acabamos de celebrar nos proclama que Deus já fez justiça a seus filhos que clamam dia e noite (cf Lc 18,7-8). O sangue redentor do Senhor Jesus e a potência da sua ressurreição cancelaram a condenação do pecado e nos garantiram o céu. A justiça contra o adversário foi realizada. É preciso, agora, acolhermos isso de coração aberto e revestirmo-nos desta justiça da Cruz. E aqui está o motivo por que esta parábola termina de forma tão enigmática: “…O Filho do homem, porém, quando vier, encontrará a fé sobre a terra?” (Lc 18,8). No próximo número da nossa revista refletiremos sobre isso.
Dom Edmilson Amador Caetano, O.Cist,
Bispo diocesano