No último número da nossa revista, meditávamos nesta coluna sobre o ensinamento de Jesus da necessidade de orar sempre, conforme Lc 18-1-8. Minha reflexão terminava dizendo: “A justiça contra o adversário foi realizada. É preciso, agora, acolhermos isso de coração aberto e revestirmo-nos desta justiça da Cruz. E aqui está o motivo por que esta parábola termina de forma tão enigmática: “…O Filho do homem, porém, quando vier, encontrará a fé sobre a terra?” (Lc 18,8).
A oração não é um modo mágico de entrar em contato com Deus ou de magicamente experimentar a sua presença. Ela, de um lado, pressupõe a fé. A fé não é um simples acreditar e basta. A fé é resposta à Palavra de Deus. Deus nos faz uma proposta ao nos fazer justiça através do seu Filho Jesus Cristo. A nossa adesão de mente, coração e obras concretas é a nossa resposta. Isso é a vivência da fé.
Esta fé, além de ser vivida por nós, exige que ela seja transmitida às novas gerações. A vivência da fé é missionária. Certamente o Filho do Homem irá voltar e, ao voltar, encontrará uma última geração sobre esta terra que deverá ter a herança da fé. No entanto, não há somente o Juízo Final, mas há também o juízo particular, quando estaremos diante do Senhor, cada um de nós, no “dia” da nossa morte. Encontrará o Filho do homem em nós a fé acompanhada de obras concretas?
Se, de um lado, a oração pressupõe a fé, de outro lado, a fé precisa ser sempre sustentada pela oração. Encontramos nos evangelhos o próprio Senhor Jesus tantas vezes em oração. Os evangelistas colocam várias vezes nos lábios de Jesus a oração dos salmos. A Igreja desde os seus primórdios aparece em atitude orante e privilegia os momentos de oração. Tomemos alguns exemplos significativos dos Atos dos Apóstolos: “Todos eles perseveravam na oração em comum, junto com algumas mulheres e Maria, mãe de Jesus e com os irmãos dele.” (At 1,14) “Pedro e João subiam ao templo para a oração da hora nona.” (At 3,1). A oração que nos coloca na busca da sintonia da vontade de Deus, é nossa herança da tradição judaica. Jesus confirma e ensina esta tradição aos seus discípulos, principalmente na oração do Pai Nosso.
A espiritualidade do “orai sem cessar” recomendada por Paulo está presente na tradição do templo, na citação acima Pedro e João estão indo ao templo para a oração das quinze horas. A mística da oração incessante da tradição judaica, entra na tradição cristã principalmente através da Liturgia das Horas. Devido a tantos afazeres que temos, não temos possibilidade de viver incessantemente na oração. Através da Liturgia das Horas santificamos os vários momentos do nosso dia e em cada momento do nosso dia nos dispomos a entrar na vontade de Deus. Além disso a espiritualidade das horas nos coloca em sintonia com o Mistério Pascal de Cristo. De fato, o Ofício das Leituras (ou Vigílias), quando celebrado à noite ou pela madrugada, nos coloca em sintonia com a mãe de todas as Vigílias, a Vigília Pascal. A oração da manhã (Laudes), nos faz anunciar cada dia a ressurreição do Senhor. A oração das nove horas (terça) nos coloca na sintonia de Pentecostes. A oração das doze horas (sexta) nos coloca na sintonia do momento em que Jesus é pregado na cruz. A oração das quinze boras (nona) nos faz contemplar a morte do Senhor Jesus. A oração da tarde (vésperas) nos faz contemplar a luz que não se apaga, mesmo com o final do dia, Jesus Cristo. A oração da noite (Completas) nos faz numa atitude de fé entregarmos a nossa vida nas mãos de Deus, no sono diário que prenuncia o sono da morte e a plena visão do dia eterno. Exorta São Bento em sua Regra: “Como disse o profeta: sete vezes por dia cantei os vossos louvores…Ofereçamos, pois, nesses mesmos momentos os nossos louvores ao Criador pelas decisões de sua justiça…” (Cf. RB 16)
Dom Edmilson Amador Caetano, O.Cist.
Bispo diocesano